quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E O COLAPSO DO EURO?

Vivemos tempos exigentes e incertos. A incerteza causa ansiedade. A ansiedade faz as pessoas falarem muito: para desabafar; para se aliviarem; para se ouvirem; para exorcizar pânicos; e até para não estarem caladas. E quando falam muito, tendem a contradizer-se mais.

Claro que as palavras são baratas e leva-as o vento. Por isso, pode ser salutar falar demais, mesmo com contradições – desde quem dirige tenha ideias claras e saiba liderar, e quem divulga não pretenda que o que se diz por aí é mais do que “ar quente”.

Escasseia quem tenha as ideias arrumadas e não aumente a confusão e a turbulência do ar quente. Vejamos alguns exemplos das contradições que se dizem por aí, que são relevantes porque é frequente serem emitidas por uma mesma pessoa:
 É essencial cumprir o Memo da Troika – os cortes podem ser aliviados.
 É essencial cumprir o Memo da Troika – deve exigir-se um prazo mais longo e juros mais baixos.
 Devia renegociar-se a dívida – P:“E se os credores não aceitarem?”; R: [silêncio].
 O Estado não tem dinheiro – não se devem vender participações do Estado (“são estratégicas...”)
 Não se podem aumentar mais os impostos – deviam aumentar-se os impostos, em vez de cortar subsídios de Natal e de férias no Estado.
 É absolutamente necessário crescimento económico – Viva a greve geral.
 São necessários estímulos ao crescimento económico – O Estado não tem dinheiro.
 São necessárias as Eurobonds – Os madeirenses que paguem a sua dívida.
 Devia haver mais solidariedade europeia – Os madeirenses que paguem a sua dívida.
 Merkel manda na Europa – Ninguém manda na Europa.
 Merkel quer dominar a Europa – Merkel não quer latinos/sulistas no Euro.
 Sou federalista/falta Governo Económico – Portugal não tem de cumprir o que a Troika (FMI+BCE+ComE) diz.
 Os cortes e a austeridade são necessários – “eu” já pago demais.
(esta tem numerosas variantes, designadamente para cada profissão e grupo social organizado, mas basta ilustrar com os seguintes exemplos)
 Todos devem contribuir – “eu” tenho direito a não pagar portagens.
 O Estado devia cortar nas “gorduras” – o “meu” sector é obviamente essencial.

As mais interessantes contradições são colectivas:
 Já passámos os limites do aceitável – o PSD e o CDS têm maioria nas sondagens.
 O povo é ignorante – o povo é sábio [quando o partido do emissor ganha].

Isto resulta de muita ignorância e de interpretações manipuladoras, amplificadas nos media, por pessoas que têm acesso fácil aos “megafones”. E a maioria dos anónimos, pensa que o que ouve é o país a falar aos “megafones”. De facto, há media para todos os gostos, e há meios onde se pode obter informação realmente confiável e relevante; ao contrário da intriga e das notícias “pão com manteiga”, dá trabalho obter essa informação, pois ela exige algumas bases técnicas e históricas para ser entendida.
É notória a falta de substrato, quando se ouvem pessoas com acesso fácil a “megafones” dizerem que a “empresa X é estratégica” ou a “empresa Y deve ser pública”, e as justificações que dão ainda chocam mais. Ou quando discorrem sobre “neoliberalismo” ou “Keynesianismo”, sem nunca terem lido o que os seus criadores escreveram ou defenderam.

Uma nota apenas sobre a minha visão da situação europeia, matéria a respeito da qual não é menor o “ar quente” emitido por tantos por cá.
Partilho da interpretação de que Merkel se sente imbuída de uma missão quase-religiosa (com algum eleitoralismo) de punir os indisciplinados sulistas, e que levará a sua missão até sentir que não pode mais.
É uma posição que a distancia dos grandes chanceleres alemães que a antecederam, que se contentaram sempre em dar a dianteira e a aparência da iniciativa à França, e geralmente moderando-a em privado. Quem dirige ou é um líder ou tem pouca margem de manobra perante os dirigidos; Merkel não tem perfil de líder, ainda que se sinta imbuída de uma missão.
E não está sozinha: de facto, não há ninguém a contradizê-la, mas muitos não o fazem por concordarem com ela.

Diz-se que Merkel manda na Europa; de facto há muitos anúncios de propostas, mas poucas decisões formais e concretizadas em normas executáveis, e que têm acabado por ser ultrapassadas pelas subidas dos yields. Decidir manter, ou não mudar, também é decidir. Mas é a decisão que não garante aos credores que os recursos que aplicaram em dívida pública europeia lhes são pagos; se o sistema institucional do Euro não for alterado é óbvio que haverá estados (quiçá, mais) a endividar-se excessivamente, podendo não pagar as dívidas. E, portanto, os credores têm cada vez mais dúvidas em lhes emprestar, reflectindo as suas expectativas nos yields (que sobem, tais taxas de juro).
A única forma de parar esta escalada é garantir aos credores actuais e futuros que a dívida pública lhes será sempre paga (coisa que, apesar dos enormes montantes em causa nos EUA e no RU, não está em dúvida em relação a estes países). E, para isso, é preciso que o sistema institucional do Euro possa evitar endividamentos excessivos, e que garanta os pagamentos caso eles ocorram – seja por federalismo fiscal (de concretização política virtualmente impossível), por governo económico centralizado (realizável se não exigir revisão dos tratados da UE) ou por o Banco Central Europeu garantir que nenhum estado deixa de pagar as suas dívidas (emprestador de último recurso, actualmente ilegal).
A ajuda externa dá uma ideia do que é o governo económico centralizado, e é provavelmente a melhor solução a curto e médio prazo, mas tem de ser assumida formalmente e interiorizada pelos países.
Com a estagnação na Europa e com a Alemanha a sentir dificuldade na emissão de dívida pública, o “fogo chegou-lhe à porta”.
Agora é preciso mudar e Merkel terá de mudar; e como só a Alemanha pode assumir os compromissos que são necessários para resolver a crise, Merkel vai ter de decidir mudar nos próximos dias.
A alternativa é um colapso do Euro, e quiçá da UE, com turbulência social de proporções inimagináveis em muitos países europeus.
Uma moeda fraca não se cria com calma: como é fraca, assim que se souber da sua criação, quem tem Euros nos bancos vai a correr levantá-los, e como os bancos não podem pagar a toda a gente que tem dinheiro depositado, geram-se tumultos em todos os bancos e filiais; as pessoas zangam-se entre si e contra tudo e todos os que considerem culpados da situação, por exemplo, o Governo e cidadãos alemães, com muita destruição e vítimas; quem tem Euros não os gasta e a sua circulação pára estancando a actividade económica; tudo isto em dias ou horas. O simples facto de se saber que se está a planear a mudança de moeda desencadeia os eventos indicados.
A introdução da nova moeda demora o seu tempo porque leva tempo produzi-la e distribuí-la; entretanto tumultos e destruição vão-se acumulando, chegando a haver fome e interrupção dos serviços públicos, pela turbulência social e por falta física de moeda (todos querem Euros, mas quem os tem guarda-os).
Nos dias, semanas e meses que se seguem a este colapso, o retomar da actividade económica far-se-á com custos de combustíveis e alimentos (importados) muito mais caros (não serão só alguns tostões); as dívidas em Euros multiplicam-se na nova moeda nacional, levando muitos devedores à falência; e haverá desvalorizações competitivas de todos os países com as novas moedas fracas, se não mesmo do Euro-menor. Tudo isto produzirá um empobrecimento brutal dos portugueses em dias ou semanas, de que só escaparão os que possam emigrar e que tenham depósitos em moeda forte no estrangeiro.

Nada garante a Merkel que isto não atinge a Alemanha. Ela sabe que este cenário é provável em vários países e que todos a responsabilizariam por isto – caso não decida tomar as decisões que os mercados necessitam de ver para recuperar a confiança em que as dívidas públicas são sustentáveis e pagas. Mas eu acredito que ela nos fará sentir muito ansiosos antes de, no último momento, evitar a catástrofe.
Porque é uma catástrofe e os danos causados, semelhantes a uma guerra, nunca serão compensados por ganhos de competitividade da futura moeda desvalorizada face ao Euro.

A alternativa da catástrofe obriga a preferir qualquer outra solução.

A principal lição da economia é que as decisões e as políticas não se avaliam em abstracto, mas face às alternativas: uma má política é a preferida se for melhor do que as alternativas. Isto não é optimismo nem seguidismo: é ter as ideias claras e arrumadas.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

EQUIDADE? NÃO. É PRECISO INVESTIMENTO e PRODUÇÃO!

As declarações do Presidente da República sobre a equidade fiscal levaram-me a passar a escrito as reflexões sobre a actual situação que têm esvoaçado na minha mente.
Achei logo aquelas declarações desnecessárias, porque nada podiam trazer de bom.
Digo-o com a independência que advém de ser apoiante de Cavaco Silva há muitos anos, de ter tolerado o seu calculismo político em relação às eleições presidenciais de 2011 (porque o bem maior que foi a sua reeleição o justificava) e porque sou servidor do Estado. Mas não penso que tenham sido declarações incendiárias ou iniciadoras de uma crise institucional.

“Equidade” e “justiça” são palavras demasiado usadas para terem valor na comunicação – que quer dizer “pôr em comum”. Quando cada pessoa tem um significado pessoal para as palavras, só por acaso elas se entendem (as pessoas e as palavras). Por exemplo, quando alguns falam em “equidade”/”justiça” o que “ouço” é “inveja”; em muitos “leio” os “outros que paguem” – é o que eu interpreto dos argumentos e dos actos de muitas pessoas; e, como elas, também tenho direito às minhas interpretações subjectivas. Já se vê que isto não traz nada de bom…

Será que “equidade fiscal” é um conceito objectivo? Pode parecer, mas não é.
Exigir iguais sacrifícios a quem tem iguais rendimentos (equidade horizontal, a que se referem aquelas declarações) parece óbvio e simples, mas “quem está dentro do convento é que sabe o que lá vai dentro”. Cada um é que sabe o que lhe custam os sacrifícios; a cobrança de impostos só pode tentar aproximar-se e é cega. Como tal, porque não é exacta nem acerta, está sempre “errada”, e dá espaço para a permanente discussão, estéril, sobre a falta de “equidade”, ainda que as pessoas conheçam os factos. Eu creio que todas as pessoas percebem facilmente isto, pelo que não levo à letra quem insiste em falar de “equidade” no discurso corrente; acho que estão a dizer outras coisas, como as que referi acima.
Ao falar em equidade, o Presidente, ou o Professor, Cavaco Silva lançou uma discussão estéril e, pior, desgastante; pode ser que venha a surgir algo de bom desta discussão, mas duvido.

Aplicando agora ao caso “servidores do Estado versus empregados de empresas”, mais do que a subjectividade, o sacrifício duma perda de rendimento no sector público não causa a angústia que pode causar no sector privado, porque os servidores do Estado têm segurança de emprego e o sector público tem sistemas específicos de apoio aos funcionários. A perda de rendimento por aumento de impostos pode ser agravada com um despedimento para um empregado duma empresa, mas não para um servidor do Estado. Estes têm menos riscos, e isso tem mais valor numa crise grave e longa, suavizando os sacrifícios.

Quanto à equidade vertical (sacrifícios iguais com diferentes rendimentos), ela é impossível. De facto, para igualar os sacrifícios dos pobres e dos ricos, tinha de se empobrecer os ricos até ao nível dos pobres. Sem dúvida que muitos adoram tal hipótese, revelando os seus reais motivos. Mas com isso apenas se destruía o país, por duas razões:
- os privados com maiores rendimentos podem poupar e investir; e é o seu investimento que gera empregos e crescimento económico (embora ainda haja muitos que não perceberam que não são os subsídios do Estado que geram crescimento); curiosamente, os que mais falam em tributar mais o património dos ricos são os que se converteram há pouco ao crescimento…
- ao empobrecer muito os ricos num ano, limitam-se as receitas fiscais a obter deles a seguir; por exemplo, se tributarmos todos os muito ricos portugueses este ano e os deixarmos a viver com o salário mínimo, teremos uma receita (extraordinária) de €10.000 milhões, que paga o défice de 2011 – mas em 2012 já não temos ricos para investir nem a pagar impostos, e o Estado ainda vai ter de lhes pagar por agora serem pobres.

Porém, a equidade fiscal é apenas uma parte da equidade social. Esta obriga a responsabilizar cada um pelas suas acções; ou seja, quem foi responsável e culpado por criar a insustentável dívida é que deve pagá-la – como há vários níveis de responsabilidade e culpa, há diferentes fracções a considerar.
A maior cabe aos dirigentes políticos dos últimos 15 anos. Logo a seguir, aos eleitores que os colocaram ou mantiveram no poder. Depois, aos abstencionistas, que se mantiveram à margem, e assim deram cobertura aos eleitos e às maiorias de apoio.
E ainda haverá alguns de fora destes grupos e que pressionaram para ter, ou usufruíram, dos produtos do endividamento, e que os aceitaram sem querer saber de quem iria pagar e como.
Não é fácil encontrar uma forma de os responsabilizar a todos, e muito menos com a equidade de que se fala. E é fácil perceber que ficam poucos de fora destes grupos. Portanto, com a urgência actual, têm de pagar todos; e todos pagam alguma coisa, apesar do que se diz.
Mas tem de ser a classe média a pagar mais, porque é a classe média que mais usufrui das despesas do Estado; embora talvez beneficiasse mais da redução de impostos e de autonomia de decisão sobre como afectar os seus recursos. Só que a classe média tem preferido a ilusão de que o Estado é um saco sem fundo… Nesta crise, talvez conclua que não, duma vez!

Alguns dizem e disseram tudo isto durante muito tempo, mas poucos lhes atenderam – e agora tantos queixam-se como se a crise e a forma de a resolver fosse novidade. Ainda assim, muitos ainda falam com emoção como se fosse possível resolver os problemas sem serem afectados.

E se a equidade/justiça não é um conceito fértil em tempos normais, menos o é quando um país está “derrotado após uma guerra”, como é a situação de bancarrota em que está Portugal.
O Estado precisa de apoio externo para pagar remunerações, pensões e facturas. Se um credor exige garantias, quem dá apoio externo, para ajudar, além das garantias, exige que o país se torne sustentável. Não há tratamentos fáceis de cura do alcoolismo, nem uma quimioterapia passa sem horríveis efeitos secundários – mas são as melhores hipóteses de se voltar a ter uma vida longa e saudável. Repito: são tratamentos horríveis, mas não há melhor alternativa. Outras alternativas são rezar, esperar milagres ou que os curandeiros acertem.

Enfim, a “equidade”/”justiça” serve sobretudo para nos dividir, com a agravante da tradição que a inveja tem entre nós. Esta crise seria um bom momento para afastar estas discussões estéreis que nos dividem, e enraivecem a tantos, sem que daí venha algo de bom, para tratarmos de encontrar as melhores formas de investir, produzir, consumir menos e exportar mais.

Dito isto, duvido que estas explicações alterem as reacções emotivas e os preconceitos que já se instalaram em tantas pessoas. Pelo menos, tentei.

domingo, 18 de setembro de 2011

LUSOBONDS e EUROBONDS

Pouco depois de publicar o texto abaixo, soube de mais uma dívida da RAMadeira por pagar.
Por estes dias, entrou também na agenda mediática o "défice tarifário" da energia, que os consumidores terão de pagar, sem se saber como.
E também se fala muito de EUROBONDS (não os originais, dos anos 1960s e 1970s, mas os dos oportunistas).
Ao contrário do que parece, estes três temas têm uma relação íntima, como explicarei.

Ouvi ontem AJJardim declarar que não tinha revelado tudo ao Governo de Sócrates e aos serviços competentes, a respeito dos compromissos que assumiu em obras na RAMadeira, emergindo agora mais uma dívida de centenas de milhões de €, a pagar.
Ainda não percebi todos os contornos da situação, designadamente, como é que se podem assumir compromissos de despesa, serem (aparentemente) registados, mas depois as autoridades competentes não saibam de nada (custa-me entender a aparente inacção do TContas nesta matéria!). Por se tratar de AJJardim, era inevitável a cascata de reacções e de "gritaria" nos media. Também não houve nada de novo na postura altiva de AJJardim.
A ocasião foi muito má, como é toda a revelação de ocultação de compromissos após o Memo da Troika; é especialmente má, porque levará muitos, lá fora, a concluir que, afinal, Portugal não é diferente da Grécia, quando o Governo de PPC já tinha conseguido criar uma convicção dessa diferença. Os danos não são irreparáveis - mas vai levar muitos meses ou anos até que se possa voltar a acreditar na contabilidade pública portuguesa. Aliás, todos os que, como eu, defendemos uma auditoria exaustiva às contas públicas, divulgada e credível, logo após a queda de Sócrates (e escrevi-o abaixo), sentem-se agora vindicados. A tese de que não se devia fazer uma "caça às bruxas" sugere antes complacência com os malfeitores.
Dito tudo isto, AJJardim é capaz de ganhar as eleições de Out-2011, porque quem o elege são os madeirenses, que usufruiram das despesas públicas que ele patrocinou, mas cujos custos, nem ele nem os madeirenses suportam - pelo menos, por inteiro.
Os eleitores madeirenses são racionais, e procuram o que melhor os pode servir, e quem não gosta de ter benefícios sem suportar os custos "que atire a primeira pedra"!

Era fácil reescrever o texto acima com pequenas alterações, e referir-me a Sócrates em vez de AJJardim. Podia escolher muitos temas, mas bastam as PPP, o "défice tarifário" e as "energias renováveis" para ilustrar o que é anunciar e fazer "obra", comprometer o Estado em despesas (com contratos que não são divulgados) e deixar que alguém (os contribuintes, inevitavelmente) pague as contas. Com uma diferença crucial: os eleitores de Sócrates não podem mandar a conta para outros (por mais que o PS e os socialistas falem em EUROBONDS). Nesse sentido, espanta mesmo é que lhe tenham dado uma segunda maioria (ainda que relativa) em 2009. Só a cegueira dos eleitores, que querem ver obra e têm fé que alguém (outrém...) pagará a conta, pode explicar a repetição do erro - que não ocorre na Madeira, porque os eleitores sabem que não pagam toda a conta.

É de notar que é a esta obsessão com "mostrar obra", com os recursos dos contribuintes "à-mão" (e, maioritariamente, da classe média), exaltando os benefícios e ocultando os custos, que Hayek se referia quando dedicou o seu livro "The road to serfdom" (1944), "to the socialists of all parties". E é bom reconhecer que Sócrates e AJJardim podem ser pouco responsáveis a gastar, mas a sua inspiração é socialista ou social-democrata: usar os recursos do Estado para fazer obra, impressionar os contribuintes, e serem eleitos ou re-eleitos a seguir.
Daqui resulta uma perplexidade: porque está tanta gente incomodada com o socialismo de AJJardim? Não vejo tantos incomodados com o mesmo socialismo de Sócrates. Só pode ser por não terem tido o êxito dele.

A outra perplexidade é a atitude de tanta gente a favor das EUROBONDS.
Mesmo que houvesse base legal no Direito Comunitário para criar EUROBONDS (e não é nada fácil rever os tratados para o efeito), duvido que elas fossem criadas agora, porque era o mesmo que os povos e Estados disciplinados darem "cheques em branco" a dirigentes como Sócrates e AJJardim: a UE obtinha o dinheiro, dava-lhes para investirem, e eles gastavam em despesas correntes ou endividavam-se encapotadamente, tendo a UE de vir a cobrir as dívidas por pagar. Ou seja, os povos e Estados disciplinados teriam de pagar as dívidas dos indisciplinados. Este cenário é tão previsível, que tanto os povos como os mercados financeiros já o anteciparam - os povos recusam-no e os mercados associam-lhe elevados yields. Muitos portugueses diriam o mesmo se estivessem em causa LUSOBONDS para a RAMadeira. E, de certa forma, estão!

De facto, empréstimos contraídos (na forma de LUSOBONDS ou EUROBONDS) por uma entidade central, sendo os recursos depois cedidos a entidades com ampla autonomia, criam um problema de risco moral ou oportunismo pós-contratual, porque é a entidade central (que contratou o empréstimo ou que representa o Estado) que vai ter de pagar em último recurso, sem poder controlar a realização das despesas.
A solução não é eliminar a autonomia, mas é impor-lhe fortes restrições.
Vendo bem, o empréstimo da UE/FMI a Portugal e à Irlanda é substantivamente idêntico aos EUROBONDS que poderão vir a ser criados: o risco de incumprimento, partilhado por todos os Estados da Zona Euro, é fortemente reduzido pela divisão no tempo em parcelas condicionadas, e pelo programa de controlo da actuação do Estado endividado (designadamente, na imposição de metas de corte de despesas e aumento de receitas, e no acompanhamento exaustivo pelos credores).
Aposto que a larguíssima maioria dos que papagueiam o seu desejo de EUROBONDS não são realmente diferentes de AJJardim nem de Sócrates: querem que alguém obtenha o dinheiro a baixas taxas de juro, para eles gastarem sem controlo apertado e assim conseguirem ganhar eleições.
Nem lhes ocorrerá que a criação de EUROBONDS vai acarretar necessariamente a criação de mecanismos de controlo das finanças públicas nacionais (a estabelecer nos tratados), e a perda de autonomia generalizada dos Estados em favor de uma burocracia central europeia (de inspiração germânica e nórdica) - os potenciais credores não emprestam a juros baixos se não houver forte controlo sobre os que já mostraram ser indisciplinados, nem os povos disciplinados aceitam outra coisa, porque senão têm de pagar juros mais altos, o que, sendo racionais e podendo pagar menos, eles recusam.

Enfim, nada que a Teoria da Escolha Pública (Public Choice) não tivesse previsto.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Avaliação preliminar

Realmente, acho que há pouco para dizer por estes dias.
No essencial, é preciso reflectir bem sobre as decisões políticas que estão a ser tomadas (quero dizer: lê-las; perceber as intenções, os objectivos declarados, e as implicações), e só depois emitir conclusões. Está bem de ver que este método tem pouco a ver com a necessidade de os media "agarrarem" audiências diariamente.
Ao fim de quase três meses de Governo, pouco posso avaliar, porque ainda tenho muito para reflectir. Mas já tenho algumas ideias a solidificar.

Primeiro, PPC está a ser contemplado com um pouco do que fez a, pelo menos, um dos dirigentes do PSD que o antecedeu (MFL em concreto): críticas incisivas e públicas, que o debilitam. Cá se fazem, cá se pagam. Podia evitar-se o espectáculo da "vingança" pública, mas a "carne é fraca", como sabemos nós todos pecadores.

Segundo, o Governo de PPC levou muito longe o seu desprezo pelos media, ao ponto de não explicar decisões políticas complicadas. Partilho a aversão à política da imagem e do espectáculo que nos governou durante 6 anos de PS e Sócrates, mas "nem tanto ao mar nem tanto à terra" - "no meio é que está a virtude". Compreendo que a prioridade era estudar processos, preparar decisões e tomá-las "em passo de corrida", mas não explicar bem pode ser desastroso, porque cria ansiedade nos cidadãos que têm direito a ser informados e pode aliená-los, com o risco de cairmos numa perturbação social que alguns desejam, ao ponto de tanto falarem nela e com linguagem marcial.

Terceiro, está claro que há excelentes ministros no Governo; dois já deram clara prova de que sabem o que fazem, como fazem e fazem bem - Paulo Macedo e Nuno Crato. Impus-me a mim mesmo um ano para avaliar o Governo no seu conjunto, embora a meta do défice de 2011 seja um elemento crucial, sobretudo internacionalmente; será decisivo e, se não houver nenhum choque externo, pode mudar todo o ambiente interno.

Quarto, estão a aparecer decisões sobre cortes, em dois meses de Governo, mostrando que são difíceis (os cortes anunciados têm pequena monta) mas possíveis (Sócrates nem fez cortes, nem sequer controlou a despesa). Mas, como tantas vezes disse medina Carreira, os grandes consumidores no Estado são o pessoal e a segurança social, ambos fortemente avessos a cortes (menos do que se esperava). Era melhor fazer os cortes na despesa pública, após uma profunda discussão pública sobre as funções do Estado Português. Mas ela não surge e, francamente, receio que com a ignorância e demagogos que dominam o nosso ambiente político e mediático pouco se aprofundasse e pouco de válido se concluísse. Afinal, de um tal debate pouco mais se pode esperar do que concluir por uma forte liberalização e retracção do Estado (ninguém acreditará seriamente que colectivamente queremos ser mais socialistas ou ter um Estado mais interventivo), mas essa é a linha do Memo da Troika e do actual Governo (pelo menos, é a do PSD de PPC), e está em curso.

Quinto, quero só deixar aqui a minha posição favorável à privatização de todos os media do Estado - apesar de não duvidar que os meus leitores não esperariam de mim outra posição. No essencial, estamos a falar de vender a privados as rádios, a agência noticiosa e os canais de televisão, e passar a contratar com privados, por leilão, o serviço público de emissão do Estado. Dispenso-me de demonstrar que os media do Estado são "bens e serviços do domínio público" e prestam um serviço de natureza privada, de resto, já em concorrência (desleal) com operadores privados.
O serviço público de emissão do Estado pode ser contratado com privados, sujeitando um caderno de encargos da substância do serviço público (p.ex. quantidades de minutos de programação a cada hora do dia, a cargo do Estado, e preços unitários para adicionais; nos intervalos de tempo contratados com os operadores privados, o Estado inclui informação oficial, discursos e avisos oficiais que queira difundir, tempos de antena, tempos para minorias, etc mas nunca pagaria para emitir programas desportivos) a concurso público, e contratando com o operador que peça o mais baixo preço por um pacote-base e uma determinada consideração de adicionais. Este tipo de abordagem já se faz para a aquisição de numerosos outros serviços (conheci-a bem na Marinha). Não duvido que cadernos de encargos bem pensados e bem elaborados, e contratos transparentes, bem acompanhados, vão trazer reduções apreciáveis de encargos para os contribuintes. Mas também não duvido que o aumento de concorrência entre operadores privados lhes dá um incentivo forte para se oporem à privatização da RTP, como os "sinais de fumo" vindos da IMPRESA-SIC sugerem.

Por fim, registo a tentativa que se desenha no PS (e nos seus muitos simpatizantes nos media) de se tentar esquecer e desligar de seis anos de Governo de Sócrates, incluindo os desvios que deixou ocorrerem já no primeiro semestre de 2011, a ruína das PPP (ainda por saber ao certo, mas de perto de €50 mil milhões) e de ter conduzido Portugal à quase-bancarrota. Ninguém deve procurar justificar-se com o passado - excepto quando recebe o poder com o país na quase-bancarrota.

domingo, 14 de agosto de 2011

Privatizar a água?

Fala-se por aí na “privatização da água”. Não há debate; há monólogos e confusão.
PPC defendeu a privatização de empresas do grupo Águas de Portugal na campanha eleitoral. E muita gente concluiu daí que se vai “privatizar a água”. Muitas pessoas têm reagido com horror à ideia; outras opõem-se, invocando tratar-se de um sector estratégico, uma questão de saúde pública, um “bem essencial”, etc. Avançam-se ideias vagas, em geral um “statement” – e tenta-se muitas vezes sugerir que o interlocutor que pede o desenvolvimento da argumentação é que deve ter vindo de Marte, porque … “é óbvio”. Mas não é óbvio!
Claro que podem avançar-se “statements” por preconceitos (incluindo abordagens dominadas pelas emoções, como receios que se sentem mas não se conseguem explicar) ou até por não se saber como defender a tese em pormenor.
É preciso explicar a argumentação a favor da privatização daquelas empresas. Pode persuadir quem está aberto ao diálogo e é um dever, porque trata-se de mudar algo, o que acarreta esse dever (há aqui uma dualidade bem conhecida: para baixar preços para os consumos da classe média, ninguém pede explicações, mesmo que isso acarrete aumentos maiores no futuro… basta citar as SCUT e as portagens como exemplo).
A primeira coisa a notar é que a água não vai ser privatizada – ela já é privada: a água que se recebe em casa, a água que se bebe, a água com que alguns regam jardins e enchem piscinas, toda ela é usada por uns e ao usarem-na ela não está disponível para ser usada por outros (depois de escoada ou tratada, talvez, mas não no momento em que é usada); nas piscinas, onde várias pessoas podem usufruir em simultâneo, o acesso é controlado (dispenso-me de dar exemplos, por me parecer evidente). Também a água que se compra já engarrafada está nas mesmas condições. A isto chama-se “bem privado”. Em praias de mar e fluviais está-se perante água que é directamente usada enquanto bem colectivo, e é um caso especial.
O que está em causa é a privatização de empresas (ou de alguns SMAS) que tratam de captar e distribuir água aos consumidores intermédios e finais; vai continuar-se a pagar a água que se recebe “pelo cano” e a água engarrafada (captada e distribuída por privados); a única mudança é que a água que chega às torneiras e que se usa para beber, para lavar, para regar jardins e encher piscinas passará a ser captada e distribuída por empresas privadas (privatizadas).
O economista Paul Samuelson (tão apreciado pela esquerda) mostrou em 1954 qual é o critério económico para decidir quais as funções de que se deve ocupar um estado. E é na economia que faz sentido procurar o critério para esta decisão, pois é a ciência que se ocupa da afectação de recursos e que procura as soluções mais eficientes para esse problema.
Podem escolher-se outros critérios, como os relativos ao poder (político); mas essa escolha não privilegia a eficiência, pelo que virá a constatar-se que se estão a gastar mais recursos do que se poderia para realizar um mesmo objectivo. A experiência mostra que, mais tarde ou mais cedo, a maioria das pessoas vem a concluir que é um desperdício e prefere soluções eficientes; isto é, a política não pode ignorar a economia. Perante ameaças à integridade ou autonomia do colectivo, os seus membros podem aceitar algum desperdício em nome de outro valor maior; porém, não terá de ser assim, porque as situações de grave ameaça também exigem a melhor aplicação de todos os recursos disponíveis.
Já noutro texto sobre privatizações expliquei que os bens públicos têm as propriedades de não-rivalidade (o consumo por um não impede nem reduz o consumo por outros) e de não-exclusão (não é possível excluir do consumo quem não pague). Os bens que não satisfazem ambas as propriedades são bens privados, como é o caso da água, o pão ou os medicamentos.
É essencial não confundir bens públicos (que satisfazem aquelas propriedades) com bens do domínio público, que são bens que estão na propriedade do Estado. Assim, um navio de guerra é um bem do domínio público, tal como os carros de polícia ou os prédios do Estado. Integram ainda o domínio público o subsolo, as águas, e uma faixa adjacente ao mar, entre outros. É só antes de captada que a água é um bem do domínio público (mas raramente um bem público). A lei regula os usos possíveis das águas (recursos hídricos); assim, a captação de águas, seja para distribuição a granel seja para engarrafar, é sujeita a licença ou a concessão; mas a Lei da Água, em sintonia com a CRP, e bem, não veda esta actividade aos privados.
Vejamos então alguns argumentos de oposição à “privatização das águas”, como lhe chamam.
1 – A água é estratégica. Claro que é, mas apenas quando a integridade e a autonomia do país estão ameaçadas por um conflito, que é o que significa o termo “estratégico”; nesse sentido, e se Portugal estiver nessa situação, pode sempre recorrer-se à requisição civil (de privados) no âmbito duma mobilização nacional, e os fins privados das empresas passam a ter de obedecer aos órgãos legítimos do poder político. Mas é um caso excepcional e raríssimo.
Além disso, há muitos outros recursos que são estratégicos, no sentido original do termo, e que são processados por empresas privadas; o mais destacado são os combustíveis: sem eles não há indústria a funcionar, os meios operacionais e o esforço de defesa param.
Um exemplo de que não é a posse pública que garante que o país é bem servido por isso é o dos espiões traidores, que tantas vezes são seduzidos por dinheiro por estrangeiros; ao menos no sector privado essa tentação é transparente e é mais fácil de a detectar e controlar.
2 – A água é estratégica, na medida que hoje também se usa este termo para dizer que é um recurso ”crítico” ou “crucial”, ou “bem essencial”. É, mas há mais recursos cruciais ou essenciais para as actividades de um país, como os combustíveis, os alimentos ou as vacinas. Já passou o tempo das teses marxistas-leninistas da “apropriação colectiva dos meios de produção”, que causaram o colapso do bem-estar geral e de diversos países (e tanto mal fez cá). A nossa economia, até porque estamos na União Europeia, tem como matriz o mercado livre; nesse contexto, a importância de um recurso só determina até que ponto e em que termos o Estado o regula, visando servir os interesses dos cidadãos.
3 – A água é um problema de saúde pública, por ser vulnerável à sabotagem. É, e não entendo como o título de propriedade altere isso; no essencial está em causa uma questão de segurança –que é, aliás, impossível sobre 100% dos águas a granel e engarrafadas– logo, uma questão de polícia. Mas há muitos outros recursos que podem causar problemas de saúde pública, como a sabotagem de vacinas ou de alimentos com agentes infecciosos, e já se percebeu que não é a propriedade dos fabricantes e distribuidores dos alimentos ou das vacinas que altera os riscos; aos públicos e privados exigem-se, e fiscalizam-se, adequados níveis de segurança interna nas suas actividades; há exemplos de falhas em ambos os sectores.
4 – Os preços vão aumentar e a qualidade diminuir. Pode acontecer, mas menos do que se crê, pois preços altos e qualidade baixa reduzem a procura e as receitas, e as empresas precisam delas para sobreviver; portanto, têm de melhorar; e se não forem rápidas a satisfazer a procura são reguladas para o fazer, sob pena de perderem a concessão. Além disso, a concorrência na água para beber pode tornar a engarrafada mais competitiva e substitui-la em parte. Todavia, a água engarrafada não concorre com a “água da torneira” para regar jardins ou encher piscinas, e o aumento para quem usa água para estes fins pode ser fonte de contestação, sob a capa do “bem essencial”.
Haverá mais “statements” que se reconduzem aos que discuti acima. Aguardo por argumentos que permitam um debate construtivo, do qual possam sair conclusões sólidas. Pelo meu lado, dei o meu contributo construtivo, livre de emoções e preconceitos.

domingo, 7 de agosto de 2011

CONTRAPARTIDAS

Ouvi ontem na SIC o MDN, Aguiar Branco, afirmar que ia acabar a política das contrapartidas.
Concordo.
Há mais de dez anos que me oponho às contrapartidas, e tenho dado a cara em vários textos sobre o assunto nesse período. Portanto, é com alegria que vejo ser tomada uma decisão que é vantajosa para o Estado e para o país, ainda que haja interessados que perdem com o seu fim, por exemplo os que usavam as contrapartidas como o instrumento mediático para compensar, aos olhos das opiniões públicas e publicadas, as aquisições de equipamento para as Forças Armadas. Agora vão ter de ser claros nas explicações - mas como não se antevêem aquisições muito visíveis para breve, há tempo para os envolvidos se adaptarem a um regime saudável.
Aprecio especialmente o fim da falta de transparência e "negociatas" que eram tudo menos claras, à conta das contrapartidas, e que eram consequência directa da natureza absurda do conceito e da política.
Aliás, o que espanta mesmo é que esta política tenha durado tanto, quando - desde que se pense um bocadinho no assunto, ou não se beneficie dela - facilmente se percebe que é uma política absurda e condenada à partida ao fracasso; na melhor das hipóteses só serve alguns interesses de duvidosa legitimidade.
Entretanto, o ministro Aguiar Branco disse que se iam cumprir os contratos em vigor. Parece-me improvável: os fornecedores que sabem desta decisão antecipam a improbabilidade de serem punidos por não cumprirem os contratos, pelo que o mais provável é a política de contrapartidas ter acabado ontem.
Nunca devia ter começado.
Demorou a acabar.
Mas mais vale tarde do que nunca!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Privatizações, SIM !

Proudhon disse que a propriedade é roubo. Marx inspirou governos a abolirem a propriedade privada, em favor da propriedade comum, através do Estado. Gramsci, destacado marxista, disse em 1919: “[…] somos adoradores del Estado, queremos al Estado ab aeterno […]”.
Poucos na esquerda aceitam que haja falhas do Estado; confrontados com elas, “contorcem-se” para as justificar sem limitar o Estado. Têm um preconceito ideológico a favor do Estado, que está no seu “código genético”; por isso, não admira a oposição das esquerdas às privatizações (aqui entendidas como a venda a privados de empresas sob controlo público).
Mas há partes da esquerda que já interiorizaram que, com o colapso da URSS, não faliu apenas a “ditadura do proletariado” – faliu também a colectivização da economia. Mitterrand percebeu-o em primeira mão: nacionalizou empresas em 1981 e teve de aceitar a privatização a partir de 1983. A esquerda portuguesa do “mon ami Mitterrand” não se convenceu e “arrastou os pés” até 1988; mudou a linguagem, mas ainda não se conformou. Com uma “inspiração de cocktail” (agarra uma ideia em França, outra nos nórdicos, e por aí fora), a esquerda moderada continua a venerar o Estado, e não sabe lidar com as falhas do Estado. A esquerda moderada já não fala na “apropriação colectiva dos meios de produção” – mas fala no “controlo público” de empresas “estratégicas” (termo que sugere erudição e tenta dar um ar de inevitabilidade, mas que é tão ambíguo que já serviu para impedir a aquisição duma empresa de iogurtes por um estrangeiro, em França). Este controlo dos sectores “estratégicos” tem natureza política e não económica; embora adorem Stiglitz e Krugman, poucos na esquerda percebem que estes economistas vêem no Estado um meio de acção de uma sociedade para melhorar a eficiência económica: o Estado pode e deve intervir para corrigir falhas do mercado, mas perante falhas do Estado pode não haver vantagem em o Estado intervir ou chamar a si uma função.
A confusão, em Portugal, revela-se quando se diz que as empresas públicas, ou os serviços por elas prestados, são bens públicos. Os patrimónios das empresas públicas são do Estado e serão bens do domínio público, mas não são bens públicos. Estes satisfazem os critérios de não-rivalidade (o consumo por uma pessoa não reduz o consumo por outra) e da não-exclusão (não pode cobrar-se a cada pessoa o seu consumo desse bem); os exemplos típicos são a segurança e a justiça; na economia, mostra-se que uma sociedade tende a ganhar com a provisão destes bens pelo Estado, usando a sua capacidade de se financiar coercivamente para os providenciar. Ora as empresas, por natureza, financiam-se pelas receitas obtidas no mercado, ou não são de facto empresas. Por isso, não são veículos adequados para providenciar bens públicos, nem são bens públicos.
As doutrinas nacionalistas (de esquerda e direita) também “veneram” o Estado, como meio de mobilização de recursos contra o estrangeiro. Não aprofundo aqui estas doutrinas, pois colocam a autarcia acima do bem-estar da população e isso tende a conduzir a regimes autoritários.
Mas a ideologia que defende o Estado e com o maior número de apoiantes é a “dos interesses”: todos os (de esquerda, de direita, do centro, de cima, de baixo, sem lado, e por aí fora) que se acham no direito de, ou simplesmente esperam conseguir, “comer à mesa do orçamento” – isto é, obter algum tipo de direito especial ou recursos do Estado. Que ninguém se atreva a duvidar da bondade e apenas-boas-intenções desses, que se apresentam como não-alinhados. Que os recursos de que beneficiam sejam obtidos pelos impostos não os atormenta: querem o “pote”.
Um bom exemplo é a privatização da RTP: se demorar, será mais pelo interesse dos operadores (privados) de TV generalistas em não ter mais concorrência; só que ao Estado cabe garantir e aumentar a concorrência, e não manter as situações que convêm a agentes privados; se não há publicidade para mais operadores, então a inviabilidade económica afastará os compradores do novo canal, os actuais não vão ter mais concorrentes e não têm problema – mas a sua reacção revela que esperam que alguém compre a RTP, que aumente a concorrência, e que baixem os seus lucros.
Importa notar que a teoria sobre as privatizações cristalizou três grandes objectivos:
Primeiro, a obtenção de receitas da venda do capital de empresas públicas, para a amortização de dívida pública, e a redução de despesas públicas e de impostos. A privatização de empresas deficitárias obviamente reduz a “sangria” de recursos públicos para suportar os prejuízos. Este é o objectivo imediato das privatizações.
Segundo, o aumento da concorrência nos mercados, ou pelos mercados, visando o aumento da eficiência económica e, daí, o crescimento económico, um objectivo de curto prazo.
Terceiro, a abertura do capital à poupança de pequenos investidores, animando os mercados de capitais nacionais e a participação de mais cidadãos nestes mercados.
A utilidade das privatizações resulta da alteração da estrutura de incentivos e dos modelos de gestão das empresas. Ao contrário do que muitos dizem, há um vasto corpo de investigação académica e do Banco Mundial que o demonstra. E em todos os países sucede o mesmo.
As empresas são tipicamente organizações com fins restritos e bem delimitados; p.ex, produzir e vender electricidade. As empresas públicas, além dos fins estatutários, servem ainda políticas sociais e eleitorais dos governantes (o Estado é o accionista e é representado pelo Governo; o raciocínio é facilmente adaptável às câmaras municipais). Tais políticas, sobretudo as eleitorais, raramente declaradas (porque revelam lógicas de interesses sectoriais, inadmissíveis no sector público), só podem ser executadas por pessoal da confiança política dos governantes (“boys”): têm de manter a adequada reserva; executam políticas de emprego, acima do que as empresas precisariam, para resolver crises regionais e locais, ou para garantir a boa vontade de certos grupos; e muitas vezes esses cargos são uma recompensa por apoios ou serviços prestados. Este excesso de emprego implica baixa produtividade e até prejuízos, os quais são suportados pelos impostos. Mas dificilmente um gestor público é penalizado ou despedido por má gestão duma empresa pública ou pelos seus prejuízos; ele não está lá por isso; e os empregados em geral também se sentem como empregados do Estado, e com direito a emprego para toda a vida. Portanto, as remunerações não são más, e os prejuízos das empresas públicas tornam-se crónicos.
Nas empresas com “golden shares” a gestão é profissional, mas, como sabemos, um governo pode querer usá-las para realizar fins inconfessáveis, que podem prejudicar a empresa.
É difícil encontrar quem não saiba de todos estes mecanismos. Há quem diga que o problema é a “falta de ética” das pessoas – algo que fica bem ser dito sobre os outros, mas que se constata ser generalizado, confirmando tratar-se de um problema estrutural e do perfil de incentivos. É provável que haja pessoas que são menos sensíveis ao perfil de incentivos, mas são a minoria e dificilmente serão escolhidos pelos governos, cujos critérios divergem do que declaram.
Em suma, as empresas públicas não providenciam bens públicos, e a sua dependência directa dos governos introduz-lhes um perfil de incentivos, que fomenta a ineficiência e desvios à boa gestão, como a selecção de dirigentes por recompensa, em vez de capacidade de gestão.
Sobre a tese de que empresas públicas lucrativas não devem ser privatizadas, porque o Estado deixa de receber os lucros e recebe apenas os impostos (tese do capitalismo de Estado), cabe notar que, a prazo, as ineficiências e os incentivos perversos vão levar ao desprezo pelo cliente (e a fraca inovação comparativa) e, havendo concorrência, a prejuízos.
Exprimi assim sucintamente a minha argumentação, a favor da privatização de empresas como a TAP, a ANA, os CTT, a REN, a CP, as Águas, os ENVC e as empresas do grupo EMPORDEF; e, dum modo geral, por que razão considero inadequado existir um sector empresarial do Estado.
(E agora ... para a Praia Maria Luísa, para duas semanas de férias!)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

ATENÇÃO: OBRAS NO CAMINHO !

A derrota de Pinto de Sousa em 05 de Junho foi tão expressiva que fiquei sem palavras. Depois de afastado Sousa, senti que cumpri o meu dever de intervenção pela palavra e voltei à rotina – em tempo, o resto “iria parar ao seu lugar”.
A derrota teria sido realmente expressiva se a abstenção fosse historicamente baixa – mas foi 100 mil eleitores mais alta. Houve mais 50.000 votos em branco, que ninguém sabe interpretar. Isto é, os portugueses, colectivamente, não estiveram à altura das circunstâncias. Continuarão a dizer mal dos políticos e “da situação”, pouco ou nada fazem para a melhorar, e esperam que os tais “maus políticos” a mudem… Voltarei a esta questão, pela racionalidade do eleitor, que sabe que é baixa a probabilidade de o seu voto individual alterar os resultados, mas que opera um dilema moral.
De facto, é precipitado falar em afastamento de Sousa. Um sujeito que tanto se preocupou com a (sua) imagem e com o controlo da agenda mediática até pode ter sido sincero no discurso de demissão e a cumprimentar os recém-empossados ministros – mas quem acredita? Não posso deixar de prever que só o fez para ter imagens gravadas para recuperar quando desejar voltar a cargos políticos – ou tão-só aliviar a pressão de processos judiciais…
Os votos revelaram desejo claro de mudança, e todos o percebemos. Sem sabermos uns dos outros, concluímos colectivamente que Sousa não!; que é cedo para voltar a dar uma maioria absoluta a um partido; que Paulo Portas está 50.000 votos mais credível; que Louçã se tornou residual. E, claro, que o PCP continua a ter 400-450 mil votantes nos mesmos locais.
Mas os votos ainda revelaram, para meu grande gozo, como tantos jornalistas e comentadores são ignorantes ou manipuladores. Avisei vários directamente dos erros que cometiam com as suas afirmações sobre “sondagens”; e quase todos ignoraram a exigência de rigor: chamaram sondagens a projecções, enganaram muita gente e submeteram-se à lógica mediática de Sousa – mas os eleitores derrotaram-nos. À conta dessas “sondagens”, “viram tiros no pé” de PPC a cada momento, elogiaram Portas pelo seu “crescimento” e deixaram as mentiras de Sousa em paz. Quando são tão críticos dos banqueiros e do seu papel na crise financeira, deviam sentir o que exigem dos outros: estes comentadores e jornalistas ignorantes ou que actuaram de má-fé devem ser mais regulados (e punidos) ou despedidos, por danos causados à sociedade. Mas, tal como os políticos fazem as regras que os governam, os media colocam-se acima das críticas que fazem aos outros.
Vendo bem, Sousa conseguiu com a “cassete” evitar o descalabro que até no PS se sabe que foi a sua governação (pelo menos) desde 2009. Fez o mesmo que o PCP fez desde o colapso da URSS (1991): com uma “cassete” que ignora a realidade e conta uma narrativa de ilusões, conseguiu que o seu eleitorado nuclear não se desfizesse, evitando a perda de receitas futuras que isso implica para o PS. Se observarmos os militantes, ingénuos e fanáticos que o apoiam (e ainda são um milhão e meio), Sousa conseguiu evitar o previsível colapso que os (merecidos) precedentes da Grécia (2009) e da Irlanda (2010) anunciavam. Garantiu um resultado muito frustrante para muitos socialistas, e para muitos parasitas do Estado, mas garantiu lugares para vários no parlamento, poupando-os a terem de enfrentar os empregos que deixaram, e a terem de explicar agora a divergência entre o que andaram a dizer antes e o que fizeram no poder. Mas não arranjou assento para quem dele mais precisava e, de entre eles, mais merecia, Teixeira dos Santos; com este “despejo”, Sousa, os seus apoiantes e o PS revelaram a fraqueza de valores morais que os move: desprezaram a lealdade, a obediência (a subserviência!) e a expectativa de minorar o desastre – só a utilidade eleitoral vale. Para Sousa voltar ao poder no futuro, terá de convencer todos os que interiorizarão este “despejo” que ele não os tornará a seu tempo também o seu “bode expiatório”; não vai ser fácil, mas é verdade que o poder cega tanta gente de moral tão fraca, que aceitam o que for preciso para lá chegar (ao contrário do que tantos dizem, não só na política, como a expressão “não estou para me chatear” sugere).
Do candidato Fernando Nobre pouco ou nada ficará para a história, que apenas registará a por todo o país bem recebida eleição da deputada Assunção Esteves para Presidente da Assembleia da República. Espero que não se volte a cair na tentação de prometer cargos para obter apoios “sumarentos” – mas todos sabemos que “a carne é fraca” e aplicar os valores morais que se declara tem custos.
PPC e o seu Governo tomaram posse. Como é usual nestas ocasiões, anunciou coisas novas. E comprometeu-se a cumprir o “Memo da Troika”; não se lhe pede menos – mas eu espero mais. O “Memo da Troika” tem fins liberalizantes, essenciais para desenvolver Portugal; nenhum país se desenvolve com socialismo. Quando criticamos o laxismo e o facilitismo, não há alternativa a dar espaço à iniciativa individual e à responsabilização do indivíduo. Quando pretendemos reduzir o défice e a dívida públicos, não há alternativa à redução da intervenção do Estado. Por exemplo, privatizando empresas e simplificando ou reduzindo custos de processos burocráticos (voltarei à questão das privatizações, que estudei, como é do domínio público). Mas a minha simpatia por PPC e quase todos os seus ministros, e pela agenda liberalizante da “Troika” (e certamente do Governo), não me torna defensor cego desta maioria nem deste Governo; não esqueço a dedicatória de Hayek, no seu livro de 1944, “To the Socialists of All Parties”, e desejo que os novos ministros não caiam na tentação de ver o Estado como uma fonte de recursos para sustentar interesses sectoriais – que estão por todo, mesmo todo, o lado.
Com a Grécia no estado em que está, vai Portugal superar esta crise?
Primeiro, aposto que 99% ou mais de quem fala entre nós sobre a Grécia (ou sobre a Irlanda; ou sobre a Islândia) sabe do que lá se passa pelos media – ou seja, pouco sabe de relevante. Por exemplo, poucos terão a noção de que o PIB da Grécia já cresceu em 2011, e que há muito para privatizar, embora haja muitos interesses sectoriais a oporem-se – com a dívida pública a crescer a um ritmo superior ao crescimento nominal do PIB, isso anuncia um futuro sombrio. É tempo de privatizar, não é tempo de defender direitos adquiridos, porque são insustentáveis.
Segundo, é imoral o devedor pressionar pela reestruturação das suas dívidas sem mostrar que fez esforços razoáveis para a controlar e reduzir. É imoral, sobretudo naqueles que usam uma linguagem moral, apelando à justiça na economia ou a valores éticos na vida em sociedade; e revela a sua insinceridade e como a linguagem moral é só um instrumento político-eleitoral. E é imoral porque quem se endividou reflectiu pouco nos compromissos que assumiu.
Terceiro, sim, Portugal vai superar esta crise. É a vantagem de ter quase um milénio de história – já quase tudo aconteceu antes e tudo acabou por se resolver sem a nação desaparecer. Sob a pressão de ter que corrigir o caminho, os portugueses continuarão a ser como são, a culpar os outros, a “fazer um choradinho”, a “arrastar os pés”, mas lá se adaptam às circunstâncias e, sob pressão externa, vão fazer o que tem de ser feito.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

RESGATE, "TROIKA" e A NÁUSEA

Li o texto do Acordo de Assistência Externa elaborado pela "troika".
Gostei.
Está bem escrito, com linguagem simples e concisa, e com metas. É assim que se faz um programa que se pretende ver realizado.
Além disso, é efectivamente abrangente, cobrindo quase todo o Estado e sectores económicos; e ainda bem. Quer dizer, vai muito além das políticas orçamental e financeira; muito mesmo. Apresenta um vasto leque de medidas, para aplicação nos próximos dois anos, que constituem as reformas estruturais, que muitos acreditaram que foram implementadas nos últimos 6 anos; pois não foram, e só agora poderão vir a ser - e se não forem, a bancarrota está logo ali.
A influência do FMI e da Comissão Europeia neste programa de reformas estruturais é óbvia e segue os princípios liberais aplicados à economia (medidas de microeconomia, para agilizar os mercados), com preocupações sólidas com os mais desfavorecidos, e só com esses. Não há nada de socialista neste programa de assistência externa. E mais uma vez se prova que o socialismo só funciona para gastar; acabando-se o dinheiro, acabou-se o socialismo!
É óbvio que o PCP e o BE se opõem.
O que é extraordinário é ouvir José de Sousa dizer que este é um "bom acordo".
De facto, é um bom acordo para Portugal - mas é tudo o que o PS não quis nem fez desde 1995. Este acordo prova o fracasso de Sousa, em tudo.
Este programa retira a influência governamental dos vários sectores do Estado, reduz os organismos que Sousa e os socialistas criaram (em duplicado com direcções-gerais) para colocar a sua rede de apoiantes e actuar sem controlo do Tribunal de Contas e outros reguladores.
Este programa ataca fortemente as PPP e as empresas públicas (municipais e centrais) cujo número "explodiu" após o DL 558//99 de Sousa Franco; tudo isso é para contrair ou extinguir. Das PPP, dado que é tudo obscuro, o programa exige a realização de uma auditoria exaustiva e imediata, para saber a dimensão do problema e o que fazer. E quanto às energias renováveis, exige-se que a remuneração dos operadores seja reduzida; o êxito que Sousa apregoa das energias renováveis é obtido pagando fortes incentivos aos operadores, que depois os consumidores pagarão.
Este programa exige resultados claros nas reformas da saúde, e da concorrência, entre outros, e num prazo de um a dois anos. (Mas não sei onde leu António Costa que os militares, como "grupo protegido", iam perder privilégios... fica claro que não têm privilégios, porque nada é apontado, além de cortes nas ADM)
Este programa estabelece um ambicioso programa de privatizações, a executar de imediato, e de que o Governo falava mas não executava.
Sousa falou e falou e falou em reformas estruturais. Mas nenhuma das que constam neste programa de assistência externa, bem especificadas e com metas, consta dos programas de Sousa e do PS. E tantos que se acham inteligentes e bem informados acreditam que sim, só porque acreditam em Sousa y sus muchachos.
Sousa tem tiques de ditador, mas é o oposto de Salazar: este respeitava o dinheiro dos contribuintes; Sousa, à boa maneira socialista, gastou o dinheiro que os contribuintes pagaram e que hão-de pagar para brilhar a anunciar e fazer obras. Foi gastar para obter popularidade e poder, sem se preocupar como se paga e se é sustentável a obra que anunciou e inaugurou.
E, claro, este programa de assistência externa, com 34 páginas (metade do PEC4, que tem 90% de palavreado inútil), indica mais cem medidas do que o PEC4 (que nem eram calendarizadas de forma clara).
Haverá muitos que se acham inteligentes e bem informados que vão acreditar que este programa de assistência externa é "basicamente o PEC4". Convinha que lessem apenas os títulos e dessem uma vista de olhos por uma ou duas páginas de cada para compararem. Se forem honestos, não irão atrás da propaganda de Sousa y sus muchachos, e reconhecerão que este é um programa sério - o PEC4 não.
É incontornável atentar nas declarações dos membros da "troika", que desmentiram Sousa y sus muchachos sem margem para equívocos.
Primeiro, de facto, pedir ajuda externa tão tarde foi um erro com graves custos - ao contrário do que Sousa disse. Quem percebe do assunto, há muito que o dizia; mas é agora evidente, e quem quer acreditar em Sousa só o fará por fanatismo.
Segundo, foram elogiados os esforços de colaboração de todas as entidades portuguesas que trabalharam com a "troika"; não tiveram as condutas irresponsáveis que Sousa e o ministro Pereira diziam, com óbvia má-fé e intuito insultuoso.
Há mais. Mas não é preciso mais.
Sousa y sus muchachos são mentirosos.
Sousa y sus muchachos levaram Portugal à bancarrota, e fizeram o que puderam para o ocultar e para que os portugueses não percebessem a verdade. Por isso, Sousa diabolizou o FMI - alguém lhe explicou que o FMI não seria facilmente enganado pelas trafulhices com que mente e engana os portugueses que preferem ser enganados.
Sousa y sus muchachos causaram graves danos a Portugal e a todos os portugueses, até aqueles da sua rede de apoiantes que vão sofrer com este programa de assistência.
Sousa y sus muchachos deviam ser processados pelos danos causados. Provas não faltam.
No mínimo, Sousa y sus muchachos devem ser afastados da vida política portuguesa, logo em 05 de Junho, porque não têm vergonha e não percebem, como Zapatero, que se devem afastar. Mas haverá tantos "podres" ainda escondidos, que não custa imaginar que sintam necessidade de se manter agarrados ao poder e a uma qualquer imunidade - ou a um "tacho" que lhes apareça no estrangeiro, quiçá com o "amigo Vara"!
Que haja um milhão de fanáticos e ingénuos que acreditam num qualquer trafulha bem falante não me surpreende. Mais do que isso, dá-me vontade de abandonar a nacionalidade portuguesa.
Acredito que há muitas pessoas que ainda estão sob o efeito da manipulação mediática permanente, desde logo pelas projecções a que os media chamam sondagens para lhes dar credibilidade; e que adequadas campanhas de informação os farão cair em si até 05 de Junho. Eu assumo o dever patriótico de esclarecer com os factos os ingénuos e manipulados, para afastar, nas urnas, Sousa da vida política portuguesa.
Sousa é o pior pesadelo de Portugal.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

TIRO no PÉ? Isso é VOTAR em SÓCRATES!

Pela primeira vez, dediquei tempo a assistir, pela TV, a um congresso partidário, neste caso, o XVII Congresso do PS. Interessou-me sobretudo o que diria José de Sousa, e ouvi os seus dois discursos por inteiro. A situação de quase-bancarrota em que está Portugal justifica que todos demos muita atenção àqueles que exerceram e podem vir a exercer funções políticas no Estado e em quem votaremos em 05-Jun. Eu quero saber escolher, e escolher bem, e quero ajudar nos processos de decisão de outros portugueses.
Registei três coisas deste congresso: o guião seguido por todos os que têm responsabilidades e culpas directas na situação do país, guião este repetido ad nauseam e que não foi sensível a alguns apelos internos ao reconhecimento de erros do PS; a prudência, para não dizer medo, com que, fora do guião, os congressistas anónimos falavam para as TV; e a falta de inovação.
O PS esteve sozinho no Governo 13 dos últimos 16 anos: de 1995 a 2002; e desde 2005, isto é, nos últimos 6 anos. Em 2005, teve maioria absoluta de deputados com 2,5 milhões de votos em 10 milhões de portugueses; com 2 milhões de votos foi a maior minoria em 2009.
O PS e Sousa gabaram-se ad nauseam de terem “posto as contas públicas em ordem”, mas sabe-se agora que excluíram as empresas públicas de transportes, cujos défices são pagos integralmente pelo Estado. O défice em 2007, de acordo com as regras do Eurostat, e registado para a posteridade pelo INE, não foi os propagandeados 2,7% mas sim 3,1% do PIB.
A dívida pública duplicou nos 6 anos em que Sousa chefiou o Governo; o desemprego duplicou desde 2005; e o PIB estagnou. Sousa e os seus apoiantes disseram que o TGV não ia parar; Ana Paula Vitorino disse no domingo que tinha financiamento e que era importante; hoje, que parar era uma questão de bom-senso. Sousa encenou aquele ar de “virgem ofendida” em 04-Abr para recusar falar de ajuda externa; e assinou o pedido em 06-Abr-2011, para financiar de imediato as despesas do Estado. Um secretário de Estado reconheceu há um mês que os juros, que não param de subir há um ano, eram insustentáveis por muito mais tempo. “José Sócrates at last admitted what had long been obvious to everyone else”, disse The Economist, revelando (mais) uma mentira de José de Sousa.
Esta narrativa é factual, sublinha os factos mais relevantes e é fácil de perceber. O guião que os socialistas repetem como uma cassete ignora os factos que ocorreram até 23-Mar; construíram uma narrativa com factos inesquecíveis, para estas 3 últimas semanas, mas que dificilmente se sobrepõe aos factos dos últimos 16 anos: Sousa, o PS e o seu Governo fracassaram; e, pior do que isso, mentem, manipulam e enganam.
Reconhecer o fracasso afecta Sousa de dois modos: a penalização eleitoral; e a saída de muitos dos seus apoiantes da Administração Pública. A penalização eleitoral do PS é coisa séria, porque o seu financiamento pode ser muito afectado se perder muitos votos –já não há Macau! E há ainda a “desalavancagem”: Sousa manteve-se no poder à conta de uma rede de apoiantes que podem entrar em défice nas suas contas domésticas; aí está um poderoso incentivo para eles lutarem afincadamente pela manutenção de Sousa no poder! Já nem falo de se virem a saber os “inner workings” (podres?) da tal rede, que suspeito ser a causa de Sousa não substituir ministros –já que não será para “não mexer em equipa ganhadora”...
O guião não pode ser sensível aos apelos à humildade e ao reconhecimento de erros de outros dirigentes do PS sem culpas nem responsabilidades na quase-bancarrota; admitir erros à beira de eleições é dar munições aos adversários e é preciso muita classe para saber “dar a volta por cima”; como Sousa não é pessoa para negociar não pode ceder nada – para ele, a política é um jogo de soma-zero (o que ele ganha perdem os outros).
Ainda se falou num modelo, o Guterrismo, baseado no diálogo. Mas Sousa não seguiu nem deixa um modelo inspirador, é só uma rede de interesses e expedientes; não se aproveita nada.
Conhecemos bem esta estratégia: o Partido Comunista mantém-se nos 450 mil votantes e toda a gente sabe desde 1991 que o comunismo e o marxismo são inviáveis. Porém, tem conseguido aguentar um eleitorado com uma cassete, sem modelo inspirador, e que não cola à realidade. De facto, a repetição ad nauseam do guião pelo PS mostra que estão a tentar aguentar o seu eleitorado, que pode deixá-los face ao evidente fracasso governativo; e revela que a narrativa do guião não é óbvia, senão não era preciso repeti-la dezenas de vezes por dia.
Os congressistas anónimos aplaudiram Sousa, como se esperava deles; e aplaudirão o próximo, seja ele quem for, no próximo mês, se for preciso; o seu bem-estar vem de estar com o poder. Tocar a cassete foi fácil; falar espontaneamente e fora do guião foi um problema e viu-se.
Pior de tudo num congresso à beira de eleições, Sousa disse pouco do futuro: a meio, disse que o Governo vai liderar as negociações com o FEEF/FMI; e quase no fim disse que visava um aumento das exportações para 40% do PIB e consumir 1/3 de energias renováveis – quando?
É ao Governo que cabe governar; para não liderar as negociações, só se desertasse! O ministro das Finanças disse em 17-Mar que se o Governo for demitido ele não fica… em 08-Abr disse que o FEEF/FMI tinham de negociar com cada partido... Este ministro foi ridicularizado por outros socialistas destacados. Mas Sousa continua como se tudo estivesse bem no Governo – é uma falta de vergonha. Uma pessoa decente teria sido humilde, como lhe sugeriu um jornalista da Al-Jazeera que o entrevistou em Jan-2011, e decidia deixar a vida política como vai fazer o seu camarada Zapatero em Espanha. Mas Sousa está agarrado ao poder.
Sobre as supostas metas das exportações e das energias renováveis, constam de documentos do Governo; é a prática de repetir anúncios. Mas Sousa não diz qual é a sua posição negocial em relação ao FEEF/FMI –a base de negociação será o PEC4, mas o que importa saber é onde se quer chegar no final das negociações e até onde cada parte pensa ir. O PS passa o tempo a exigir que o PSD revele propostas, mas o PS ainda nada revelou – ou não tem para revelar.
Raras vezes se viu um Governo e um político (Sousa) fracassar tão claramente. Mas ainda mais do que 10% revela em estudos de opinião desejar que ele ganhe; e quiçá outro tanto teme que Sousa consiga melhorar a sua posição na campanha eleitoral. Muitos portugueses dizem querer mudança, mas para perder que percam os outros. Muitos acham que o PSD “dá tiros nos pés”, porque não consegue “vender a banha da cobra” como Sousa. Muitos portugueses acham que o importante é falar e vestir bem; e muitos admiram quem vive de expedientes e desprezam os realmente bons alunos. E que tal votarem, e fazê-lo em qualquer partido menos no PS?
O fracasso governativo não conta? Há assim tantos portugueses tão superficiais que basta uma campanha eleitoral para esquecerem 6 anos de Sousa e seu Governo, e que estes trouxeram Portugal à bancarrota? E mesmo que Sousa tivesse mérito, governava sozinho? Pode ignorar-se a incompetência ridicularizada no próprio PS do ministro das Finanças? Quem aceitaria voltar a ser ministro de Sousa, sabendo como ele é autoritário e que não negoceia? Quem pode confiar numa pessoa que é mentiroso com provas dadas?
Se as pessoas avaliam as alternativas a Sousa pelos padrões mediáticos e de superficialidade com que ele “hipnotizou” um milhão de portugueses (por definição, os simpatizantes fanáticos e os militantes do PS vão atrás dele) e com essa hipnose conduz oito milhões, há uma conclusão: os oito milhões hipnotizados são conservadores e avessos à mudança, não procuram uma vida melhor e não merecem a liberdade que têm. Lembram a Alemanha que elegeu Hitler em 1933.
Se os portugueses não aproveitarem para mudar em 05-Jun, dando uma boa lição ao PS, terão garantida a bancarrota e o bem-estar a piorar na próxima década.

quinta-feira, 31 de março de 2011

AUDITORIA às contas públicas: SIM, JÁ !

António Barreto pediu-a.
José Adelino Maltez e Marcelo Rebelo de Sousa, pediram-na. Muitos outros a pedem.
Pelo “Expresso” soube-se que o Presidente da República terá travado a realização de uma auditoria às contas públicas portuguesas, que fosse verdadeira na substância e na forma.
Com a correcção do défice de 2010, dos 6,8% do PIB, anunciados pelo Governo com pompa e circunstância, e que o mesmo alegou provarem o êxito da sua actuação, para os 8,3% do PIB, tudo o que o Governo faz e diz está em dúvida. Concedia-se ao Governo este pequeno êxito, ainda que reconhecendo que usou receitas extraordinárias, que tanto criticou antes.
O Governo alega que as regras do Eurostat mudaram. Mas não diz que novas regras são essas. Sem ser especialista na matéria, parece-me que não há regras novas. Tal como os submarinos não são uma despesa extraordinária: estava prevista para 2010, desde a assinatura do contrato em 2004. A interpretação deste Governo, verbalizada pelo ministro S.Silva há um ano, de que só seria reconhecida esta despesa aquando da “recepção definitiva”, se devia a que a entrega dos navios era uma surpresa; essa interpretação chocou com as normas do Eurostat, de 2004, que, aliás, já foram adaptadas também para evitar que as aquisições de material militar em “leasing” fossem desorçamentadas. Esta postura marialva do ministro S.Silva teve amplo eco nos media; a contradição com o recuo já não foi explorada; muita gente gosta de acreditar nesta gente, sem um pouco de reflexão. Quem sabia do assunto era ignorado e a mentira do Governo pegou.
O ministro Santos disse que estas correcções só tinham impacto em 2010; será assim no caso do BPP e do BPN, mas não é o caso das empresas públicas de transportes, que continuarão a dar prejuízos em 2011 e seguintes. Porque não é por se chamar empresa e meter-lhe “S.A.” no fim que o Estado deixa de ter que assumir os seus prejuízos. Já há anos que digo isto, mas eu não sou ninguém (Arsenal… rings any bell?).
E ainda está por se revelar o drama das Parcerias Público-Privadas (PPP). Cujo “estoiro” parece estar para se sentir a partir de 2013 (seria depois da segunda legislatura que Sousa pensava concluir). Tal como se desconhece quanto já foi assumido pelo Estado em compromissos que ainda não foram pagos (“rolling debt”), que muitos crêem ser colossal no Sistema de Saúde.
Não sabemos as conversas privadas que houve entre os técnicos do Eurostat e os gregos e os portugueses; mas é de supor que a desorçamentação tenha sido objecto de reparos ignorados. Conhecemos quem invoca a disciplina e os interesses do país, para evitar que quem sabe muito conte tudo o que sabe. Claro que um dia havia de se vir a saber, porque o Eurostat também se ia fartar de fazer de conta que não percebia o que os Governos tentavam fazer e faziam para mostrar obra sem violar os Tratados e o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Ou seja, não haverá regras novas; o problema é a forma como as regras têm sido interpretadas pelo Governo e pelo Eurostat. O Eurostat tolerou interpretações criativas na Grécia; e também tolerou a desorçamentação consistente que os Governos do PS fazem desde 1995. Tê-lo-á feito porque o PIB crescia e porque chamar a atenção a Estados soberanos “põe os cabelos em pé” aos dirigentes políticos, que acham que não têm que se ocupar dessas minudências técnicas – o “negócio” deles é obras públicas, sobretudo hospitais, estradas, aeroportos e TGV. E também dava jeito aos maiores Estados-membros da UE, cujos bancos usufruíam dos empréstimos e as grandes empresas usufruíam da exportação de tecnologia.
O Governo grego foi apanhado. E agora foi o Governo português. E, por total ignorância ou por apostar, houve políticos que pensavam que se safavam sem que nada disto tivesse impacto na opinião pública; eu não duvido que Sousa & Santos pensaram que se safavam.
A aposta é tanto mais grave quanto a descoberta da verdade só tem uma consequência: quem empresta ou emprestou dinheiro aos Governos que enganam toda a gente deixa de os tratar como gente de boa-fé. Mas quem sofre são os povos.
O Eurostat não é afectado por isto, porque saberá mostrar que os seus oportunos alertas foram ignorados; os técnicos sabem bem com quem estavam a tratar e o que estava em jogo. Quem emprestou dinheiro subavaliando o risco, ou sob orientação política para favorecer a economia interna ou europeia, sofrerá pouco ou nada. Aos políticos que tentaram enganar tudo e todos assegurar-se-á algum exílio ou prateleira dourados.
Os povos é que vão e estão a pagar. Têm uma parte importante da responsabilidade, que está em terem sido pouco cuidadosos na escolha dos governantes. Mas é difícil saberem escolher bem, sem estarem bem informados. Por isso, uma auditoria que revele a substância e a forma das contas públicas é essencial para que os portugueses saibam avaliar os seus dirigentes e não tenham que se decidir pelo aspecto exterior ou pelo palavreado deles.
Uma auditoria que revele a substância e a forma das contas públicas produz um documento de avaliação dos dirigentes, e revela de imediato quem mente, e em que mente; é inestimável para quem não é especialista em finanças públicas; é um direito dos cidadãos. E é pedagógica ao permitir que se decida correctamente como actuar no futuro.
O PR tem afirmado a necessidade de se falar verdade aos portugueses. Tem razão. Só assim os dirigentes políticos têm legitimidade para actuar no Estado de Direito Democrático.
Por isso, causa-me a maior estranheza a alegada “travagem” da referida auditoria pelo PR.
É verdade que quem sabe destes assuntos, sabe que este Governo também enganou o Eurostat e muita gente com as contas públicas: sabe-se em Portugal, sabe-se no Eurostat, sabe-se nos meios financeiros, sabem os Governos da UE, sabem os credores e os potenciais investidores.
Só não está nos media, preto no branco, ao lado da fotografia dos dirigentes responsáveis. Mas um dia vai estar. E quanto mais tempo demorar, mais vai custar a justificar manter a mentira. E mais vai custar criar confiança em quem foi enganado. Já não vai ser sem dor; mas a dor pode ser cada vez maior, com o crescimento da massa dos descrentes no sistema e nos políticos.
Que seja o PR, que se tem batido tanto pela verdade na vida pública, a obstruir a descoberta de uma verdade tão crucial para os destinos de Portugal é incompreensível.
Por isso, junto a minha voz aos que pedem pela auditoria que revele a substância e a forma das contas públicas, e que seja o PR a patrocinar essa iniciativa. Pela verdade. Por Portugal.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Sócrates: RUA NAS ELEIÇÕES !

Só está dado o primeiro passo.
José de Sousa pediu a demissão.
Mas tanto tem mentido este sujeito, que só acredito que foi, quando tiver mesmo deixado o Governo. Para já, fica mais uns meses ate o novo Governo tomar posse.
E Sousa anunciou que volta a candidatar-se.
Há alternativas, tanto de medidas como de políticas, e sobretudo de pessoas; há pessoas competentes que podemos eleger. Este é o momento de afastar Sousa y sus muchachos ou "boys", porque não são gente séria, são incompetentes e abusaram, ao ponto de deixar o país em colapso financeiro.
Os que não votámos em Sousa não temos culpa e não devíamos ser obrigados a pagar a crise, pelo menos com a gravidade que lhe devemos. Quem quiser manter a mesma equipa, em coerência, deve assumir o compromisso de doravante pagar os custos da crise; isso é que era justo e bom para Portugal.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Sócrates: RUA, JÁ !

Portugal tem um mau Primeiro-Ministro.
É mau à luz de dois critérios fundamentais na governação: o carácter e a eficácia.
São os critérios mais relevantes: o futuro é incerto e é a reputação de pessoa competente, que não abusará do poder, capaz de tomar as decisões que as circunstâncias exijam, que um eleitor procura na escolha dos seus representantes. E espera-se que tome decisões que sejam eficazes e eficientes; quer dizer, que melhorem a posição global do país e o bem-estar das populações.
O actual PM vive para a sua imagem, manipula e mente; reage sempre mal a críticas. E as suas políticas falharam. Que espera para reconhecer que falhou e deixar o poder?
Já só os seus apoiantes sectários hoje defendem o seu carácter; compreende-se o fervor deles, pois o sujeito é que lhes garante empregos leves e bem pagos. E não se calam, porque crêem na máxima de má memória que uma mentira repetida mil vezes se tornará verdade. E numa inversa: não falar do assunto, “limpa” as falhas de carácter. Para eles, tudo é discurso: tudo só existe e se joga em sound-bites, nas primeiras páginas e nas aberturas e clips dos telejornais.
Das mentiras já quase tudo foi dito; aqui só importa que não sejam esquecidas nem apagadas pelo tempo. A história dos títulos nas fichas do Parlamento espelhará a necessidade absurda que as pessoas sentem em Portugal de ter um título para se sentirem alguém; há atenuantes, mas nada anula o ilícito, que ficou. O caso PT/TVI revelou uma mentira clara, que se tentou disfarçar na diferença entre conhecimento oficial e conhecimento por conversas telefónicas com os envolvidos; de caminho admitiu incompetência, e os media deixaram passar tal facto. O caso PT/TVI revelou algo mais grave: a falta de vergonha do sujeito. Que se viu também confirmada no caso Freeport. O paralelo com a conduta do “padrinho” que não “suja as mãos” é gritante.
Muitos jornalistas e comentadores, para quem sound-bites e ar convicto são tudo, afirmam que o sujeito é “resiliente”, conferindo-lhe uma aura de valor, que nem a ele ocorreu promover, e que lhe serve mais do que mil palavras e campanhas. E porque não admitem que o sujeito não tem vergonha nenhuma? Mesmo com a frequência com que se irrita ante críticas, e se esconde de más notícias, os media não sugerem a falta de vergonha do sujeito; têm medo de falar de carácter? Mas alguém duvida que o carácter é um atributo nuclear de um político?
A falta de vergonha do sujeito revela-se ainda no descaramento com que manipula informações e notícias, com que usa os media para os seus fins, para beneficiar a sua imagem. Só aparece associado a coisas que dão boa imagem, como anúncios de obras, inaugurações, elogios e bons indicadores económicos. Más notícias, o sujeito deixa-as para os subordinados a quem garante emprego, que dizem o que for preciso para proteger a imagem do chefe –e o seu emprego! Mais um paralelo relevante com um “padrinho”.
A falta de vergonha revela-se também em insistir em atribuir a causa da actual crise portuguesa à crise externa. Mas só ele e os seus mais sectários apoiantes o dizem, contra os especialistas de todas, incluindo a sua, áreas políticas. Fala da “crise do Euro”, como se a crise da nossa dívida fosse um problema que tivesse de ser resolvido pela EU, estando à vista que somos nós os afectados – o Euro sobrevive à saída de Portugal. Fala do crescimento das exportações, ou da redução de desemprego, como se fosse a ele que tal se deve. Mas quando o desemprego sobe o sujeito não aparece, não dá a cara, e se fala é para culpar outro qualquer, cá ou lá fora.
E as suas políticas falharam. Basta ler em sequência os discursos do ministro das Finanças para perceber que este tem vindo aos poucos a reconhecer publicamente que a nossa actual crise se deve a termos vivido acima das nossas possibilidades, endividando-nos demais no exterior, com o incentivo e a acção dos governos do PS; já a OCDE o dizia em 1997, e os compromissos com PPP provam-no. A crise da dívida soberana e o nível de endividamento externo são produtos das políticas internas dos Governos, agravados e expostos pela crise financeira internacional. O sujeito vive em negação deste facto, contra tudo e contra todos; um pouco de vergonha levá-lo-ia a ter dúvidas, mas o sujeito não duvida. O fracasso das políticas que o sujeito advogou e praticou durante anos ficou à vista quando teve de as “meter na gaveta” (parar o “investimento público” é isso mesmo), numa feliz analogia com outro socialista seu antecessor.
Seria bom ter tudo, e do bom e do melhor; mas um Governo responsável não compromete o Estado e o país com um futuro insustentável. Mas foi isso que os governos do PS fizeram. Ainda que fosse isso que os eleitores esperavam deles, se fossem competentes não o teriam feito. Como dizia Chirac, a política é a arte do possível.
António Guterres, a quem se acusa de ter fugido, falhou e demitiu-se. Guterres teve vergonha e aplicou um princípio fundamental da democracia: quem falha abandona o poder, dando lugar a outros que se afirmam pela sua competência ou pela sua diferença ideológica. Em democracia, há sempre alternativas. José de Sousa não tem vergonha, não entende a democracia, nem o serviço ao país: quando foi sugerida a hipótese de se formar um Governo mais forte, com uma aliança PS-PSD, que pouco mais exigia do que Sousa deixar de ser PM, que fez? Disponibilizou-se logo para viabilizar essa opção? Fez consultas formais sobre a matéria? Ouviu o seu partido? Não. Recusou a hipótese, dizendo que o povo tinha escolhido havia um ano; mas meses antes disse que o mundo tinha mudado em duas semanas… Nada mais é preciso para concluir que está agarrado ao poder e que só se move pela sua imagem pessoal, mesmo quando o país está numa grave crise, que, fora da UE, podia ser fatal para a democracia portuguesa.
A democracia não é apenas a alternância pacífica no poder (Popper), nem só um conjunto de regras formais de exercício do poder (Bobbio), nem só a inclusão (Dahl); terroristas, como Hitler, chegaram ao poder pela via eleitoral, cumpriram regras formais e apelaram a todos –e vieram a destruir a democracia. Para haver democracia tem de haver democratas; democratas são pessoas tolerantes e decentes. Pela primeira vez em décadas, não se associam os atributos “tolerante” e “decente” a um Primeiro-Ministro em Portugal.
A ideia peregrina de que não vale a pena mudar de governo porque “não há alternativa” revela um fraco entendimento da democracia e uma admiração subtil pelo mediatismo (e pela “resiliência”) de Sousa. Há quem, à boa maneira portuguesa, diga mal para ficar bem perante outros, mas não se sinta muito chocado com as falhas de carácter nem os fracassos políticos do actual PM. A figura autoritária e a boa imagem de Sousa seduzem-nos mais; como não se vê mais ninguém como ele, e se temem os rigores das políticas sérias, aceitam ficar com este – tal como na Parábola da Rã Cozida, que cozeu na panela ao lume, porque não saltou enquanto a água estava morna, julgando que o poderia sempre fazer mais tarde. É racional?
Há anos que o PSD e o CDS-PP são as mais prováveis alternativas ao PS. Podem ajustar os seus programas, mas todos sabemos, genericamente, o que defendem; e há diferenças importantes, como revela a conduta dos partidos mais à esquerda. Se não há mais alternativas, é porque alguém as bloqueia; por exemplo, Sousa bloqueia todas as que passem por ele não ser PM.
Enfim, José Sousa não cumpre os critérios fundamentais para ser Primeiro-Ministro, mesmo que lá tenha chegado legitimamente. Não tem a decência necessária para o perceber, nem para sair humildemente. Os demais partidos com assento parlamentar não têm condições de o demitir. O Presidente da República não vai actuar com a ligeireza de Jorge Sampaio.
Assim, é preciso um sobressalto cívico dos cidadãos para criar as condições para afastar Sousa do poder, e viabilizar uma alternativa. Para o conseguir há que gerar uma onda de pressão, na Internet, nos media e na rua, com um slogan, que cede um pouco à força dos media:
“Sócrates: RUA, JÁ!”

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

PALAVRAS AO VENTO

As palavras são baratas e leva-as o vento. As acções têm custos, marcam e ficam.
Justamente porque as palavras são baratas, não incorrer o pequeno custo de as dizer já diz muito. O custo de oportunidade de ouvir é maior; por isso, ouvir revela o valor que se espera do que se vai ouvir. Acho especialmente relevante o exemplo dos ministros que se demitem do Governo Britânico, e que, no seu regresso ao lugar de origem na House of Commons, fazem um discurso no qual explicam as suas razões e parte dos inner workings. Em geral, é demolidor para o Governo em exercício e para o partido no poder; mas é ouvido pelo Governo e pelos deputados com toda a atenção, sem que haja obrigação legal de cumprir esta tradição. É um exemplo notável de tolerância e liberdade, atributos nucleares do Estado de Direito Democrático. Neste caso, e como é típico da democracia, as palavras comprometem e são, em si mesmas, acções, e ficam. Temos muito a aprender com isso.
Tive uma carreira de luxo na Marinha e com muita sorte; revejo-a com prazer. Tendo-a interrompido e passado à reserva, por minha vontade, inspiro-me no exemplo que citei e, salvas as devidas adaptações, decidi dar público testemunho do balanço que fiz. A mensagem é construtiva, e visa os mais jovens, de que destaco os meus ex-alunos. É disso que se ocupa este texto, com o estilo directo que me define.
UMA TIRADA EM GRANDE
Pertenço ao Curso “Carvalho Araújo”; entrámos 37 em 1979 para a Escola Naval (EN); ingressámos 19 nos Quadros Permanentes da Marinha em 1984. Antes de 1979, nunca pensei em concorrer à Marinha, nem tive nenhum contacto com a Marinha ou militares. Os três primeiros anos na EN foram muito duros, mas superei a barreira e fiquei porque gostei. Apesar de ditas, literalmente, ao vento, marcaram-me as palavras do meu juramento de bandeira, no qual me comprometi a defender Portugal e a Constituição, se necessário com o sacrifício da própria vida. Reflecti nisto muitos anos, e concluí que servia o País na Marinha; não servia a Marinha, nem a sua Administração, e se devia obediência a esta, e a mais órgãos do Estado, o dever militar de obediência é um instrumento para servir o País; não é supremo e tem de se conciliar com o dever militar de lealdade, que obriga a informar superiormente a verdade.
Comecei por fazer o estágio no navio que desejava, o navio-tanque “S.Gabriel”. Como oficial Engenheiro Maquinista Naval (EMQ), interessava-me o vapor, a (bem) chamada “universidade técnica”. Aprendi muito com os oficiais do navio, e os reencontros trazem-me sempre excelentes memórias.
Depois estive um ano no Draga-Minas “Ribeira Grande”, que fazia os embarques de fim-de-semana com os alunos da EN. Para os enjoados, como eu, um draga-minas era um pesadelo. Não foi fácil, mas a comissão tornou-se muito agradável, pela guarnição e sobretudo os oficiais, e pelas missões atribuídas.
Podendo optar entre chefiar um serviço de máquinas numa corveta ou ser segundo de Máquinas numa fragata, optei pela “Magalhães Corrêa”, pela instalação a vapor e pelo chefe do serviço, o 1TEN EMQ Rapaz Lérias, cuja fama de profissional de “mão cheia” me prometia o desenvolvimento que procurava. Não me enganei; ele mostrou-me abundantemente que, por muitas razões, boas e más, demasiadas vezes falamos e actuamos sem sustentação; conhecer os factos e ter a certeza do que se afirma foram regras que cristalizei com ele e não abandonei mais, comigo e com os outros, para cima e para baixo.
Em 1987, tive, mais uma vez, sorte, ao ser nomeado para frequentar o curso de Engenheiro Construtor Nanal (ECN), no Reino Unido. Foi um processo atribulado: no primeiro concurso não fui seleccionado, e foi anulado; no segundo concurso, com diferentes critérios, fiquei apurado. Podia assim concretizar-se um desejo antigo da EN, onde a minha Memória de Fim-de-Curso foi um anteprojecto de um Patrulhão .
Com o 2TEN Bento Domingues, fiz o MSc in Naval Architecture na University College-London (UCL), com quase um ano de preparatórios na HMS “Manadon”, em Plymouth (já encerrada há mais de 10 anos). Com um ano de diferença, seguimos os 1TEN EMQ Rapaz Lérias e Cunha Salvado, retomando a escola iniciada com o (hoje) CALM REF ECN Rogério de Oliveira de formação dos oficiais ECN em conjunto com os Constructors do Ministério da Defesa britânico (UK-MoD). Tive, e os três camaradas referidos, a sorte de frequentar a Pós-Graduação em Projecto de Submarinos, também realizada na UCL; o corpo docente era baseado nos projectistas dos submarinos nucleares britânicos, o que diz tudo da sua valia. Ao concluir os cursos, o desejo de todos nós era projectar e construir navios, mas sabíamos bem que, cá, só por acaso teríamos essa possibilidade; por isso, registei um comentário de um colega inglês nos finais de 1990: “podes ter tido as melhores notas, mas nós é que vamos projectar os melhores navios!”
Logo após o curso, fui de novo bafejado pela sorte, com a realização de um estágio na construção das fragatas “Vasco da Gama”, na HDW-Kiel. A primeira tinha sido entregue uns dias antes, e pudemos navegar nela durante o estágio, já lá vão 20 anos; a segunda estava prestes a iniciar as provas, que acompanhámos; e a terceira estava em fase avançada de construção. Foi uma oportunidade ímpar de ver os navios numa fase crucial e de aprender o ofício. A realização deste estágio, único, deveu-se ao CALM ECN Balcão Reis, então Administrador do Arsenal do Alfeite, que suportou a despesa, a qual justificou, com uma rara visão, na oportunidade única que se oferecia para a formação dos futuros ECN. O estágio foi valiosíssimo, sobretudo nas vertentes de integração de sistemas e gestão do projecto, que era matéria muito destacada na UCL e ainda pouco valorizada entre nós. A importância da gestão, a visão integradora e a atenção ao cliente foram tópicos que não voltei a descurar daí em diante.
No regresso definitivo a Portugal, e depois de um estágio que envolveu a visita aos maiores estaleiros do país, pude escolher a minha colocação e optei pela Direcção do Serviço de Manutenção (DSM), onde teria que andar nos porões e conhecer intimamente os navios, quando ainda tinha energia para isso. Procurei aplicar com humildade os conhecimentos e experiência recentemente adquiridos, mas foi um período atribulado na DSM, sujeita a uma reorganização que marginalizava o único oficial ECN da casa; nem então tive visões corporativas, mas a lógica da reorganização escapou-me por inteiro. Não quero qualificar a relação com o meu chefe directo; reclamei das minhas informações, absurdamente baixas, de que soube porque pedi para as ver na Repartição de Oficiais; não pedi para sair, mas a Marinha determinou, para meu bem, o meu destacamento da DSM no verão de 1992, com um ano de comissão. Foi curta; mas do primeiro semestre na DSM retenho a equipa que chefiei na MDT1, que vi desaparecer, e por onde tantos ECN passaram antes. Nesse semestre fiquei a conhecer muito da realidade concreta dos navios e é com orgulho que recordo as palavras dum camarada, historiador já reformado: “és como o Castro : vens a bordo e ouves as pessoas.”
Também tive sorte na promoção a CTEN, porque os oficiais que me apreciaram no respectivo conselho concluíram que as más informações que tive na DSM diziam mais do informador do que do informado; de facto, o 1ºinformador foi ultrapassado na sua promoção; eu, não.
A mudança para o Gabinete de Estudos afigurava-se traumática, mas a sorte não faltou: voltei a ter o EngºLérias como chefe e trabalhei na garantia das lanchas “Argos”; pude familiarizar-me com as estruturas em fibra-de-vidro (uma fraqueza do MSc), com os procedimentos do Arsenal e civis, e com a gestão de projectos em Portugal (aprendendo pela negativa face ao estágio realizado na HDW).

Entretanto, fiz parte da missão de aquisição do RFA "Blue Rover" (depois, NRP "Bérrio") no Reino Unido. Para lá da sorte de ter participado numa actividade rara, a aquisição de um navio em segunda mão, no Reino Unido, com o qual tinha especiais afinidades, fui chefiado pelo CFR Martins de Bettencourt, com quem aprendi muito, pela positiva, sobre negociação.
Pouco depois, a sorte bafejou-me de novo, e fui nomeado coordenador do programa de aquisição das lanchas da classe “Calmaria”, construídas na Bazan-Cádiz. Ainda era 1TEN e já tinha a oportunidade de gerir um projecto, embora do lado do cliente, e num estaleiro conceituado. Foi um período de grande e profícua actividade, e realização pessoal, com o nascimento do meu filho em Espanha (1994), os seus dois primeiros anos de vida em Portugal , e a frequência do Curso Geral Naval de Guerra, em 1995. Não foi fácil gerir o programa e houve complicações inconcebíveis, como os hélices ficarem como esponjas ao fim de um ano, devido à má protecção catódica; ou os sistemas de comando e controlo dos jactos-de-água não funcionarem, por inadequação dos componentes; ou, ainda, as reiteradas avarias do alternador acoplado ao motor principal, inviabilizando o funcionamento dos equipamentos eléctricos a bordo, e que foram resolvidas com a instalação de geradores autónomos nas oito lanchas. Mas a Bazan cumpriu todos os seus deveres contratuais, porque o cliente sabia exactamente o que queria e o que o contrato lhe permitia (era um contrato claro; foi bem negociado), para o que era necessário estar seguro dos factos e do que se afirmava – as lições aprendidas davam os seus frutos.
Por esta ocasião, comecei a dar aulas no Instituto Superior Técnico (IST), na licenciatura em engenharia naval. Uma feliz coincidência fez com que, na sequência do encalhe do paquete “Queen Elizabeth” na aproximação a Nova Iorque, eu tivesse um aluno meu do IST a trabalhar em previsões de squat quando o Instituto Hidrográfico estava preocupado com o squat dos nossos navios; estabeleceu-se um projecto expedito de cooperação entre o IST e a Marinha (através da Direcção de Navios (DN), criada em 1994), sendo eu a ponte, do qual veio a resultar um conjunto de equações de previsão, que eu adaptei do trabalho do meu aluno, e que o IH veio a usar nas suas publicações. Um oficial do IH, em especial, aguardava com expectativa o relatório com as previsões de squat que eu devia elaborar; foi o meu primeiro contacto profissional com o CFR Medeiros Alves, que me marcou profundamente, desde logo pelo seu rigor e exigência. Esta coincidência só terá avançado a ocasião em que eu viria a trabalhar com este oficial – mas foi uma afortunada coincidência.
Participei também no processo de preparação do afundamento do “S.Miguel”; mas quis a sorte que eu não estivesse a bordo das fragatas enviadas para assistir ao afundamento. Não pela segurança física, mas sobretudo porque eu tinha consciência de como aquele processo tinha sido mal conduzido e, em diversos aspectos, mal executado; previ que a Marinha, com um mínimo de responsabilidade nos resultados, viria a “sair mal na fotografia” se eles fossem maus, como tudo sugeria que viessem a ser – disse de viva voz ao meu chefe à data, mas não escrevi, por falta de fundamentação objectiva; mas aprendi a lição de que, quando a coisa pública está em causa, devo escrever o que penso, com respeito e fundamentação; dá trabalho, mas é indispensável. Infelizmente, ganhei problemas: as palavras leva-as o vento; os escritos, ainda por cima se forem bem escritos, ficam, moem e geram anticorpos.
Pouco tempo depois, tendo coordenado a elaboração da especificação técnica das lanchas da classe “Centauro”, integrei a comissão de abertura das propostas e, mais tarde, fui nomeado perito técnico da comissão de análise das propostas. Como tinha já formação económico-contabilística, porque estava a frequentar um MBA, incluí na análise de engenharia uma análise jurídico-económica que mostrava que a participação em concursos públicos do Arsenal do Alfeite (que não se distinguia da pessoa colectiva Estado) era obviamente ilegal. O Arsenal tinha falta de dinheiro e penso que se pretendia usar as verbas do concurso, pagas no início do contrato, para aliviar essas dificuldades; tudo o que prejudicasse este objectivo não era bem-vindo – mas era de discutível legitimidade. Não me custou prever que o contrato iria trazer muitas dores de cabeça ao coordenador do projecto do lado do cliente: o Arsenal aplicava o dinheiro onde precisava e, como era seu hábito e é típico dos monopolistas, decidia o que fazer e como. Se eu fosse nomeado coordenador, muita gente tinha uma desculpa: quando algo corresse mal acusava-se o Paulo, pois “tem mau feitio” e “está contra o Arsenal”. Pouco antes, o meu chefe directo propôs um louvor que conduzia a condecoração, mas foi recusada. Percebi a mensagem: não importava o trabalho bem feito e de modo duradouro; não se podia era discutir situações pouco claras. Foi a primeira de três vezes que vi um louvor que conduzia a condecoração ser bloqueado acima do chefe que o propôs.
Como não tinha colocação alternativa, a situação em 1998 exigia uma análise cuidada e uma decisão de fundo: aguentar ou dar um salto no escuro. Eu sabia que aguentar, significava engolir toda a espécie de coisas repelentes (se fossem só sapos ou até elefantes...), sem a expectativa dum saldo positivo. Assim, requeri o fim da comissão na DN, pois o director não abdicava de me nomear coordenador do programa de aquisição das “Centauro”. Eu pensava (e ainda penso) que ele queria “arrumar-me” – “arrumar” por “arrumar”, preferi sair. Destaquei menos duma semana depois. Na despedida, ele exigiu-me, e creio que pela primeira vez a alguém, que lhe dissesse “determina mais alguma coisa”! Tinha que vergar-me de algum modo, e foi o que arranjou. Como ensina Kant, mas muita gente não percebe, “não somos livres de não ser livres”; podemos ter de suportar custos elevados, mas há coisas a que temos de dizer “não”.
Tive sorte em estar um mês e meio sem colocação, porque pude estudar para quatro exames do MBA que tive em Junho. Depois foi-me dada a possibilidade de ser colocado na 1ªDivisão do Estado-Maior da Armada, chefiada pelo CMG Lima Bacelar. Depois do difícil período recente na DN, a sorte sorriu-me de novo: voltei a ter um chefe de “mão cheia” e era uma colocação aliciante. Fui o primeiro ECN no EMA, e na Divisão de Pessoal e Organização, ligada aos meus interesses no direito e na gestão públicos, e com o desafio de elaborar publicações de Marinharia. Fui editor e co-autor das Publicações de Marinharia da Armada, promulgadas em 1999, com aplicação imediata na EN; foi-me atribuída a pasta do ensino superior militar e integrado na equipa que se ocupava da legislação do Arsenal. O acesso ao valiosíssimo acervo documental do EMA, além dos estudos e documentos internos que fiz, e com visitas à família só ao fim de semana, deram-me as condições para elaborar análises e sínteses pessoais nestas matérias, como a defesa da privatização do Arsenal, pela qual alguém me chegou a chamar traidor, e do fim das licenciaturas na EN, que divulguei nos Anais do Clube Militar Naval e na Revista Militar. A abertura à discussão e a consideração de alternativas no EMA foram bem maiores do que na DN, graças aos chefes da 1ªDivisão com quem servi, o CMG Lima Bacelar e o CMG Silva Carreira, mas também ao ambiente global, incluindo as conversas com o chefe da 4ª Divisão, o CMG Medeiros Alves, e sobretudo com os outros oficiais da 1ªDivisão, que era propício ao desenvolvimento. Além disto, ainda elaborei um estudo, que ofereci ao EMA, relativo ao Marketing na Marinha, como aplicação directa do MBA que fiz em dois anos e concluí em 2000. Certo é que, de novo, o meu chefe directo no EMA me louvou com vista a uma condecoração que foi superiormente recusada; e, como uma coisa não tem a ver com a outra, continuei a ter grande admiração profissional por quem a recusou.
A sorte cruzou-se comigo várias vezes em 2000, como quando o CALM Silva Santos me convidou para leccionar economia na EN. Nem a votação realizada por três oficiais do Departamento de Administração Naval (o coordenador recusou-se a participar) para não me aceitarem no Departamento demoveu o Comandante da EN e o chefe da classe, CALM AN Rodrigues Baptista. Durante cinco anos, leccionei Economia da Empresa, Cálculo Financeiro, Introdução à Gestão, Organização e outras, além de elaborar o relatório do concurso de admissão anual, organizar seminários sobre ética, e orientar memórias de fim de curso de alunos AN. Participei na formação de sete cursos de oficiais AN, e cinco das outras classes, e a boa relação que ainda hoje tenho com eles vale mais do que qualquer símbolo que possa ostentar – é intangível, mas marca e fica onde conta. Substituí um professor civil, pelo que o Estado teve menos despesas com docentes na EN, nos cinco anos que lá leccionei. E nenhum navio deixou de ser adquirido ou mantido por eu não estar na DN – tanto que quando lá cheguei em 2006, não havia cargo livre.
Aproveitei ainda a docência na EN para frequentar a pós-gradução de 2 anos em Estudos Europeus da Faculdade de Direito (Clássica), que concluí em 2003 com uma tese sobre o mercado único da defesa. As dificuldades de publicação de tema tão árido deram-me tempo para rever, aprofundar e actualizar a tese, e com o apoio do CMG António Silva Ribeiro acabei por contratar a publicação com a Prefácio em 2006. A nota da tese e o prefácio do Professor Ernâni Lopes dizem mais do que aqueles que criticaram o livro sem nada mais ler do que o título. O lançamento público realizou-se no Clube Militar Naval, numa sessão com palavras do editor, do Professor Ernâni Lopes e do CALM Silva Carreira e para a qual convidei todos os membros da Administração da Marinha (menos um: ele sabe quem é e porquê), a qual foi notada pela sua ausência; aqueles que me estimam estiveram presentes ou, se não puderam, saudaram-me antes.
Com esta pós-graduação (direito), o MBA (gestão pública) e o MSc (engenharia) reuni as condições de formação que entendo necessárias para exercer um cargo de dirigente no Estado. Surpreendeu-me que poucos tivessem percebido a coerência e fins da formação que me impus (em 1995), e concretizei.
Com uma carreira ecléctica e atípica, era inevitável – na cultura portuguesa – ir acumulando invejas e “amigos da onça”. E não é que fossem muitos, mas alguns estavam colocados onde podiam causar-me danos. Ainda assim, a sorte e aqueles que me apreciavam puderam impedir que eu fosse ultrapassado na promoção a CMG. O director de Pessoal mandou-me então para a DN, onde não havia cargo vago, nem eu desejava, e lá passei 18 meses, onde vivi a poucos metros de distância o drama da detenção de um oficial da Marinha por magistrados do Ministério Público e investigadores da Polícia Judiciária. Havia muito que me chocava a relação entre fornecedores (em particular, quando estavam em causa militares na reserva ou na reforma) e pessoal da DN; convivi com isso e só na terceira passagem por aquela casa escrevi uma posição clara sobre a matéria – que vim a aplicar na Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM). Gostei muito de integrar o grupo de trabalho que geriu o processo de venda das fragatas “João Belo” ao Uruguai, sob a direcção lúcida e eficaz do CALM RES Rodrigues Cancela. Foi uma magnífica experiência, porque fizemos história, porque fizemos o que devia ser feito, e pela equipa; ainda hoje não entendo como há quem tenha achado má ideia vender estes navios – a menos que, de facto, não tenha gostado do pessoal da equipa.
Em 2007 a sorte voltou a bater-me à porta: o CALM Silva Carreira convidou-me, com o apoio do VALM Medeiros Alves, para prestar serviço na DGAM e em concreto no Serviço de Combate à Poluição do Mar por Hidrocarbonetos (SCPMH), onde estive três dos melhores anos da carreira. Era o primeiro ECN neste serviço e cargo, sem experiência anterior na matéria. Foi uma sorte ter conseguido afastar logo de início um elemento do SCPMH e ter tido “à mão” um sargento de “mão cheia” que o substituiu com vantagem. Mas sobretudo, tivemos muita sorte por, face ao tráfego diário nas costas portuguesas de centenas de navios com todo o tipo de cargas perigosas, não termos tido nenhum grave episódio de poluição do mar. O SCPMH é um serviço muito dinâmico, e a visibilidade externa é muito superior à interna, sendo também mais apreciado externamente do que no interior da Marinha. Tive ainda a sorte de frequentar em 2008 um curso de três meses sobre segurança e relações internacionais no George Marshall Center, uma bela oportunidade para estudar estas matérias, durante o qual elaborei um artigo, que desenvolveu a investigação divulgada no meu livro, e que publiquei em inglês, com o patrocínio do GMC.
Esta passagem pela Autoridade Marítima exigiu-me que conhecesse o seu enquadramento e a dinâmica de equilíbrio de poderes em que está envolvida. Com o tempo cresceu o meu desgosto com a forma como, a meu ver, a Marinha desvaloriza este serviço e a Autoridade Marítima; e penso que contribui para explicar a ascensão da componente marítima da GNR.
“CRASH-STOP”
Eu conto, oralmente, toda a história relativa à minha saída e envio os documentos relevantes a quem o quiser. Um dia contarei por escrito; aqui e agora, fica só um resumo suficiente para se entender o essencial. Contar mais agora só ia irritar os envolvidos, que poderiam fazer ainda mais alguma coisa “a quente” e danosa para a Marinha.
Um belo dia, em Junho de 2010, tomei contacto directo com um conjunto de irregularidades ocorridas numa certa unidade da Marinha. Achei-as surreais à data, e pensei que as chamadas de atenção locais e as férias fariam os responsáveis pelas situações em causa reconsiderar e corrigi-las, em paz. Mas não; a divulgação informal bem colocada não teve efeitos. Em Outubro, houve que formalizar o desagrado com uma reclamação de uma interessada, e com um email que enviei ao responsável directo pela situação, e a destinatários ocultos com ligações ao tema; não foi para “meia-Marinha”, como se disse, mas uma das afectadas podia ter contado a história a “meio-País” pelos media – sendo aquela unidade e naquela data, a divulgação pública teria, por certo, causado danos à posição pública da Administração.
Com 30 anos de Marinha e anos a estudar organizações previ que a Administração se uniria face a uma ameaça; faltava saber o que era a ameaça para a Administração: a denúncia ou as irregularidades? Se a denúncia fosse considerada ameaça seria a clássica “punição do mensageiro” e eu passaria à reserva de imediato. Expliquei esta análise e a minha linha de acção ao único dos destinatários ocultos daquele email que me procurou de imediato para entender o problema. E executei, com a entrega da declaração em 10 de Novembro, no dia após ter sido informado de que seria alvo de um processo de averiguações por causa do dito email (havia, constou-me, vontade de punir); o processo foi arquivado, e sublinho que foi instruído por um oficial acima de qualquer suspeita, auxiliado por um escrivão que é jurista e despachado por outro jurista. A sorte ajudou-me, pois com vontade de me punir e, sem estes juristas, creio que teria sido punido ainda que sem fundamentação legal; não tenho a certeza – e ainda bem!
Disse-se que fui inábil e que actuei “a quente”. Certo é que os emails (houve mais) foram a única forma de corrigir as irregularidades e as dualidades: só com eles se iniciou e se concluiu a acção correctiva das irregularidades. Creio que quem as cometeu não foi sujeito a nenhum processo; nem preciso comentar. Quanto à reclamante, depois de tantas pressões e condutas inaceitáveis, decidiu deixar a Marinha, com a qual teve uma avença durante dez anos; com a sua saída perderam-se valências, perdeu a unidade em causa e perdeu o pessoal da Marinha. Ela tinha razão, e por isso reconheceram todas as pretensões dela. Mas foi oralmente; não foi notificada do despacho sobre a reclamação (qualificada como “um choradinho de queixinhas”) e nem se sabe se o teve...
Disse muitas vezes que as minhas ambições de carreira se esgotavam em CMG; tudo o mais, a ocorrer, era bónus. Não busco títulos; não tenho mulher que sonhe com títulos nem com mordomias; não tenho que completar a carreira do meu pai; nem tenho que cumprir desejos da minha mãe; e por aí fora. Dava jeito o aumento de remuneração, mas não vivo mal. E não vejo nenhum bem superior em causa que me obrigue a abdicar de valores que muito prezo, como o respeito pelo Estado de Direito Democrático. Por isso, parar a carreira por aqui, até pode ser bom, porque tenho boa idade para mudar de vida. Lamento ter havido uma lateral casualty, que foi o SCPMH/DGAM, onde estava bem, com um trabalho desafiante e que julgo ter sido útil a Portugal.
Ao rever esta história, surreal e muito triste, continuamos a interrogar-nos:
Que se pretendia? Era preciso ser assim? Alguém aprendeu alguma coisa com isto?
Esta situação revelou algo mais: de novo, um chefe louvou-me com vista a uma condecoração e não foi superiormente aceite. Quem me conhece, sabe que nunca me movi por medalhas; acho-as bonitas e ficam bem a alguns. Sei que há uma legítima margem de subjectividade na sua atribuição. Mas o louvor referiu-se à comissão de três anos na DGAM, sobre a qual um avaliador salientou as “conduta e ética irrepreensíveis”; o processo de averiguações sobre os emails de que a Administração não gostou foi arquivado, e era alheio à comissão na DGAM; não houve razão objectiva para o louvor não seguir. A razão é subjectiva: violei as regras não-escritas, da cultura da Marinha. O custo de atribuir uma medalha é baixo para quem decide; a atribuição reflecte só a avaliação de benefícios extraídos do acto; isto é, o acto que fica revelou que o benefício foi a recusa: tendo-se concluído que não foram cometidos ilícitos e que a comissão foi boa, a apreciação subjectiva e indirecta, isto é, da imagem da pessoa “na casa” é que ditou a recusa – foi a sanção pela violação das regras não-escritas. Tendo já visto recusadas duas condecorações, é claro que a minha imagem não é boa no correspondente nível de decisão, que é o da gestão da cultura da Marinha, onde a memória é longa. Assim, se não fosse aquele email, outra razão se encontraria para me travar a progressão da carreira, pois a Administração não me via como “vestindo a sua camisola”; tem legitimidade para o fazer e tem substantivamente razão. Integrado na Administração eu só poderia ser um agente de mudança – ou um perturbador! Consciente disso, e porque não me via a “mendigar” por benesses, nem queria ser director de Navios (o único cargo para CALM ECN) e ainda menos subdirector, sair era bom para mim e para a Administração. Com a magnífica carreira que tive, não me custou nada.
UM BALANÇO SUAVE
Uma pessoa diz muito de si, pelos custos que incorre ao aplicar os seus princípios. Ao longo de 30 anos constatei que, na Marinha como no país (nem me refiro a políticos), demasiadas vezes se diz uma coisa e se faz outra: declaram-se princípios elevados e depois cede-se ante benefícios pessoais; criticam-se os políticos e o Exército, e faz-se o mesmo às “classes auxiliares”; é-se duro para baixo e subserviente para cima; faz-se disto e depois pretende-se dar lições de moral aos outros; e por aí fora. Quanto mais subi na carreira mais vi, e mais me incomodou, esta dualidade, bem portuguesa; é uma das coisas com que mais me custa conviver e que tolero cada vez menos, porque é uma grave debilidade ética.
Apesar de tudo, tenho razões para concordar com o lema dos Fuzileiros: “a sorte protege os audazes”. Ao longo destes 30 anos, bati-me pelos princípios que me guiavam, às vezes assumindo grandes riscos e custos (medidos), remando contra a maré, e sendo por vezes acusado de actuar por “necessidade de afirmação” ou a “quente”. Guiei-me pelo juramento de bandeira, que nunca esqueci, assumi os custos daquilo que defendi, e senti-me em minoria, mas nunca sozinho.
Diz-se depreciativamente que “fiz o que quis”, o que é largamente verdade e só me espanta que isso cause despeito. De facto, não fiz só o que quis, fiz sempre o que me mandaram – nunca fui acusado de desobediência – e fui sempre movimentado com guias mecanográficas. Sobre os conteúdos, o tempo e aqueles com quem trabalhei avaliarão o que fiz. Mas percebo que quem não queira “fazer ondas”, quem se governe apenas pela sua agenda pessoal, quem tenha uma visão paroquial do mundo, quem não goste de ser contrariado, quem seja sebastianista, não aprecie posições convictas e fundamentadas. Orgulho-me de ter convivido muito bem com todos os profissionais sérios com que me cruzei – e até com a maioria dos restantes. E orgulho-me de quase tudo o que fiz, dos alunos que leccionei e orientei, dos projectos que coordenei, das operações que dirigi, dos escritos que ficam, das palavras que alguém não esquece – tudo isso, fica e está à vista, assim se queira e saiba ver. Gostei e gosto da Marinha, mas procurei acima de tudo melhorar Portugal.