quinta-feira, 31 de março de 2011

AUDITORIA às contas públicas: SIM, JÁ !

António Barreto pediu-a.
José Adelino Maltez e Marcelo Rebelo de Sousa, pediram-na. Muitos outros a pedem.
Pelo “Expresso” soube-se que o Presidente da República terá travado a realização de uma auditoria às contas públicas portuguesas, que fosse verdadeira na substância e na forma.
Com a correcção do défice de 2010, dos 6,8% do PIB, anunciados pelo Governo com pompa e circunstância, e que o mesmo alegou provarem o êxito da sua actuação, para os 8,3% do PIB, tudo o que o Governo faz e diz está em dúvida. Concedia-se ao Governo este pequeno êxito, ainda que reconhecendo que usou receitas extraordinárias, que tanto criticou antes.
O Governo alega que as regras do Eurostat mudaram. Mas não diz que novas regras são essas. Sem ser especialista na matéria, parece-me que não há regras novas. Tal como os submarinos não são uma despesa extraordinária: estava prevista para 2010, desde a assinatura do contrato em 2004. A interpretação deste Governo, verbalizada pelo ministro S.Silva há um ano, de que só seria reconhecida esta despesa aquando da “recepção definitiva”, se devia a que a entrega dos navios era uma surpresa; essa interpretação chocou com as normas do Eurostat, de 2004, que, aliás, já foram adaptadas também para evitar que as aquisições de material militar em “leasing” fossem desorçamentadas. Esta postura marialva do ministro S.Silva teve amplo eco nos media; a contradição com o recuo já não foi explorada; muita gente gosta de acreditar nesta gente, sem um pouco de reflexão. Quem sabia do assunto era ignorado e a mentira do Governo pegou.
O ministro Santos disse que estas correcções só tinham impacto em 2010; será assim no caso do BPP e do BPN, mas não é o caso das empresas públicas de transportes, que continuarão a dar prejuízos em 2011 e seguintes. Porque não é por se chamar empresa e meter-lhe “S.A.” no fim que o Estado deixa de ter que assumir os seus prejuízos. Já há anos que digo isto, mas eu não sou ninguém (Arsenal… rings any bell?).
E ainda está por se revelar o drama das Parcerias Público-Privadas (PPP). Cujo “estoiro” parece estar para se sentir a partir de 2013 (seria depois da segunda legislatura que Sousa pensava concluir). Tal como se desconhece quanto já foi assumido pelo Estado em compromissos que ainda não foram pagos (“rolling debt”), que muitos crêem ser colossal no Sistema de Saúde.
Não sabemos as conversas privadas que houve entre os técnicos do Eurostat e os gregos e os portugueses; mas é de supor que a desorçamentação tenha sido objecto de reparos ignorados. Conhecemos quem invoca a disciplina e os interesses do país, para evitar que quem sabe muito conte tudo o que sabe. Claro que um dia havia de se vir a saber, porque o Eurostat também se ia fartar de fazer de conta que não percebia o que os Governos tentavam fazer e faziam para mostrar obra sem violar os Tratados e o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Ou seja, não haverá regras novas; o problema é a forma como as regras têm sido interpretadas pelo Governo e pelo Eurostat. O Eurostat tolerou interpretações criativas na Grécia; e também tolerou a desorçamentação consistente que os Governos do PS fazem desde 1995. Tê-lo-á feito porque o PIB crescia e porque chamar a atenção a Estados soberanos “põe os cabelos em pé” aos dirigentes políticos, que acham que não têm que se ocupar dessas minudências técnicas – o “negócio” deles é obras públicas, sobretudo hospitais, estradas, aeroportos e TGV. E também dava jeito aos maiores Estados-membros da UE, cujos bancos usufruíam dos empréstimos e as grandes empresas usufruíam da exportação de tecnologia.
O Governo grego foi apanhado. E agora foi o Governo português. E, por total ignorância ou por apostar, houve políticos que pensavam que se safavam sem que nada disto tivesse impacto na opinião pública; eu não duvido que Sousa & Santos pensaram que se safavam.
A aposta é tanto mais grave quanto a descoberta da verdade só tem uma consequência: quem empresta ou emprestou dinheiro aos Governos que enganam toda a gente deixa de os tratar como gente de boa-fé. Mas quem sofre são os povos.
O Eurostat não é afectado por isto, porque saberá mostrar que os seus oportunos alertas foram ignorados; os técnicos sabem bem com quem estavam a tratar e o que estava em jogo. Quem emprestou dinheiro subavaliando o risco, ou sob orientação política para favorecer a economia interna ou europeia, sofrerá pouco ou nada. Aos políticos que tentaram enganar tudo e todos assegurar-se-á algum exílio ou prateleira dourados.
Os povos é que vão e estão a pagar. Têm uma parte importante da responsabilidade, que está em terem sido pouco cuidadosos na escolha dos governantes. Mas é difícil saberem escolher bem, sem estarem bem informados. Por isso, uma auditoria que revele a substância e a forma das contas públicas é essencial para que os portugueses saibam avaliar os seus dirigentes e não tenham que se decidir pelo aspecto exterior ou pelo palavreado deles.
Uma auditoria que revele a substância e a forma das contas públicas produz um documento de avaliação dos dirigentes, e revela de imediato quem mente, e em que mente; é inestimável para quem não é especialista em finanças públicas; é um direito dos cidadãos. E é pedagógica ao permitir que se decida correctamente como actuar no futuro.
O PR tem afirmado a necessidade de se falar verdade aos portugueses. Tem razão. Só assim os dirigentes políticos têm legitimidade para actuar no Estado de Direito Democrático.
Por isso, causa-me a maior estranheza a alegada “travagem” da referida auditoria pelo PR.
É verdade que quem sabe destes assuntos, sabe que este Governo também enganou o Eurostat e muita gente com as contas públicas: sabe-se em Portugal, sabe-se no Eurostat, sabe-se nos meios financeiros, sabem os Governos da UE, sabem os credores e os potenciais investidores.
Só não está nos media, preto no branco, ao lado da fotografia dos dirigentes responsáveis. Mas um dia vai estar. E quanto mais tempo demorar, mais vai custar a justificar manter a mentira. E mais vai custar criar confiança em quem foi enganado. Já não vai ser sem dor; mas a dor pode ser cada vez maior, com o crescimento da massa dos descrentes no sistema e nos políticos.
Que seja o PR, que se tem batido tanto pela verdade na vida pública, a obstruir a descoberta de uma verdade tão crucial para os destinos de Portugal é incompreensível.
Por isso, junto a minha voz aos que pedem pela auditoria que revele a substância e a forma das contas públicas, e que seja o PR a patrocinar essa iniciativa. Pela verdade. Por Portugal.

1 comentário:

  1. Não posso deixar de concordar, genericamente, com as ideias expostas - e, em especial, as finais. Já quanto a culpados, tenho a profunda convicção de que o PS não anda só (lembremo-nos de um primeiro ministro contente por dar dinheiro aos agricultores ... para não produzirem e das artes contistas da uma certa ministra das finanças). O que faz falta? Criatividade e seriedade na política.
    E, já agora, esclarecimentos! Quanto devemos, a quem, quando pagar e quanto juros, onde obter as receitas próprias, etc., etc.
    É um péssimo hábito governar com base em assessores espertalhotes, com um currículo invejável ... em trabalhos de grupo na universidade, e agir com base no lema velho e rêlho "quem não é por nós é contra nós" (alô, salazar, está?)

    ResponderEliminar