domingo, 22 de janeiro de 2012

Geopolítica da Desunião - Mas sem guerra!

No artigo “Geopolítica da Desunião”*, o autor defende que les forces profondes de Renouvin e a geopolítica explicam a actual situação de desunião na Europa e o ressurgimento de velhos receios; o poder e o expansionismo alemães depreendem-se dos exemplos que o autor escolheu no passado, e de uma frase em especial: “o encontro da Geopolítica com a História não tem, habitualmente, um final feliz”. Esta questão é da maior importância.
É difícil discordar do peso que têm as forças profundas e a geopolítica na Europa.
Não custa encontrar razões para divisões na Europa; de facto, não custa encontrar razões para dois europeus discordarem. O que custa é entender como abdicaram do uso da força Estados que antes a usavam para resolver os seus conflitos; tem de espantar que estejam a integrar-se economicamente e não só; e que haja povos a querer juntar-se ao processo de integração. De facto, este processo tem mais de 60 anos e os geopolíticos deviam admiti-lo no clube das forças profundas.
Está errado avaliar o êxito do processo de integração europeia pela ausência de conflitos na Europa. O êxito está na paz, e na opção pela negociação para resolver conflitos; e nos ganhos da integração económica para avançar a integração política. Era exactamente isso que, após a II Guerra Mundial, os Pais Fundadores propuseram e que cristalizaram primeiro na CECA e depois na CEE. E nunca foi a Alemanha (nem o Reino Unido) a criar obstáculos neste processo.
Se tomarmos a geopolítica como a “seta da História”, que revela a inevitabilidade das diferenças, da incontrolável ambição de poder e domínio dos outros, e dos conflitos violentos que daí advêm, não conseguiremos explicar os pontos de inflexão, que os há, como a criação da CECA em 1951, ou o apego ao welfare state a partir dos 1950s. E não só na Europa; se não houvesse pontos de inflexão, como explicar a adesão mundial à fast-food em 10-20 anos? Ou a gestão partilhada de rios entre vizinhos em permanente conflito, como a Índia e o Paquistão?
O receio que muitos têm perante o poder da Alemanha (que tem apenas século e meio) resulta dum duplo erro de avaliação: desvalorizam os pontos de inflexão; e sobrevalorizam o poder alemão.
O Poder é o produto da Vontade pelas Capacidades (P=V*C).
Depois de uma década a pagar para elevar o nível de vida da RDA, a Alemanha reunificada usufrui hoje do crescimento asiático para exportar bens duradouros (e carros) essenciais à industrialização e desenvolvimento das economias emergentes; e, apesar do Euro forte, exporta, como exportava com o Marco forte. Tem capacidade económica; tem capacidade tecnológica e 80 milhões de residentes; mas não tem capacidades militares comparáveis à sua estatura económica. Têm sido desvalorizados os aspectos que explicam a menor capacidade militar alemã. Aqui, há aspectos óbvios: tem poucas armas e as que tem não superam as americanas ou inglesas; e longe vai o tempo de erguer um poder militar explorando minas de carvão e ferro, produzindo aço e tanques e canhões em massa. Mais subtil é a cultura militar, sujeita ao conceito "innere führung” (sem tradução directa nem fácil), que se reflecte, por exemplo, em a disciplina militar ser administrada por juízes e em ser fora das Forças Armadas que se conduzem os processos de aquisição de armas. Isto é, há uma opção constitucional clara de acabar com o militarismo prussiano e de submeter o poder militar ao poder das instituições democráticas; e instalaram-se mecanismos de controlo, como a proibição de actuar militarmente fora da Europa e o respeitado Tribunal Constitucional. Há aqui uma parte da vontade que se reflecte nas capacidades. Mas a Vontade na equação acima é um composto subjectivo das disposições das massas e das elites em usar as suas capacidades. E não é convincente afirmar que os residentes na Alemanha têm vontade de impor as suas posições no exterior; porque não há evidência de que as massas e elites tenham ambições expansionistas, e pelo volume de imigrantes. Aliás, é uma posição sensata, porque é fácil perceber que nada se ganha com o uso da força e menos com expansões de território. A competição hoje é nas empresas e no crescimento económico.
Convém lembrar que foi sempre o “motor franco-alemão” que animou a integração europeia. E foi a França a causar as maiores ameaças ao processo: em 1954, com o fim da CED, por ela concebida e morta; em 1963, com o Plano Fouchet para esvaziar a natureza supranacional da CEE, no qual foi Adenauer a inviabilizar os planos de De Gaulle; em 1966, com a Crise da Cadeira Vazia e a saída da França da NATO; e o referendo contra a Constituição Europeia em 2004. A criação do Euro é uma ideia francesa de 1969, para “ir à boleia” do (já então) Marco forte; a Alemanha teve de aceitar o Euro, imposto pela França e em troca da Reunificação, como forma de “amarrar” a Alemanha à Europa. De facto, os maiores impulsos e as piores crises existenciais da União Europeia, e nas quais, aí sim, esteve sempre em causa “la grandeur de la France”, não foi a Alemanha a causá-las.
Argumentar que a oposição de Angela Merkel às transferências para os países endividados revela as ambições de dominação imperial é estranho. Primeiro, ela segue a ideia do eleitorado alemão de não querer pagar a quem não trabalha e manter-se longe. Segundo, os Estados em crise podem fazer o que quiserem com a sua soberania: a Alemanha só impõe condições para ajudar. Estas podem ser tecnicamente erradas, falharem na solidariedade e perigosas para a continuidade da União Europeia; mas não são expansionistas nem imperialistas. Dito isto, teria sido mais astuto que Merkel deixasse a França assumir um papel de liderança das políticas e das decisões, tanto ao gosto dos franceses, para evitar o desnecessário ressurgimento dos fantasmas.
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*José Freire Nogueira (2011) "Europa-A Geopolítica da desunião" JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol.2,nº2.(20Jan2012) http://observare.ual.pt/janus.net/images/stories/PDF/vol2_n2/pt/pt_vol2_n2_art3.pdf