domingo, 8 de abril de 2012

UMA CRISE PRECIOSA!

Servidores do Estado e pensionistas sentiram mais um abalo, com a perspectiva de mais um ano sem receberem os subsídios de férias e de Natal. Outros viram bloqueadas eventuais reformas antecipadas. Ninguém perdeu nada tangível, apenas esperanças. Baixar as expectativas de rendimentos futuros é algo a que não estávamos habituados: só pensávamos que as casas iam valer sempre mais do que quando foram compradas; que os ordenados iam sempre subir; que a saúde ou a educação eram gratuitas ou se descontavam no IRS; que o uso ilimitado do carro se ia manter ou melhorar. As pessoas habituaram-se, mesmo as poucas que suspeitavam da consistência da origem. Agora dói. Vai doer durante anos. E só mudará algo que se veja, se doer durante anos.

Em Portugal, anda-se há anos a fazer de conta que o Estado Providência /État Providence/Welfare State (Estado Social, como por cá gosta de se dizer) pode continuar a gastar cada vez mais, quando pode arrecadar cada vez menos em impostos; com Sócrates, ainda se onerou mais o país com o descontrolo de despesas públicas em PPP, empresas de transportes do Estado e ineficiências no Estado – e milhões andaram contentes sem querer saber dos custos. O nosso Estado Providência é insustentável no médio e longo prazo (foi curioso ouvir Vital Moreira a dizê-lo na SIC-N):
- nascem poucos portugueses e vive-se em média mais anos, logo envelhecemos;
- cada vez há mais pensionistas, pois vive-se mais, sobretudo além da idade de reforma (que baixou, em média);
- cada vez há menos jovens a produzir e a descontar para os pensionistas;
- não aceitamos bem a imigração de jovens, sobretudo com determinadas origens;
- mais velhos, consumimos durante mais tempo serviços de saúde, os quais são cada vez mais dispendiosos (devido ao desenvolvimento tecnológico e às descobertas médico-científicas, que descobrem mais disfunções e tratamentos).

Estamos a viver uma crise do êxito: o sucesso da paz, da economia, da ciência e da tecnologia melhorou-nos a vida ao ponto de perdermos de vista que não há conquistas definitivas; é preciso continuar a obter os recursos que sustentam os estilos e hábitos da vida que apreciamos. E se não conseguimos obter esses recursos, temos de nos adaptar a viver com menos; e quanto mais tarde o fizermos, mais dói. Essa é a questão suprema da política, mas é indissociável da economia, da ciência e da tecnologia.

As crises são duras e dramáticas, mas são a única maneira de, colectivamente, as pessoas aceitarem adaptar-se. Por mais persuasão e explicação bem argumentada que se apresente – e tivemo-las na última década – demasiadas pessoas, ainda que admitam, alimentam a secreta esperança de que “a coisa” não as afecte, ou de que se resolva suavemente; em sociedades democráticas, isso abre oportunidades aos que prometem às cegas, e que levam a manter tudo na mesma ou ao agravamento – no fim, esses não têm de pagar os custos sociais do que prometem ou decidem, porque a sua “responsabilidade política” se esgota nas eleições seguintes. Por isso, a população tem mesmo de adaptar-se ao empobrecimento: a bem ou a mal. É inteligente adaptar-se a bem.

Podem converter-se os BPNs e os submarinos em escolas e hospitais, mas o que custa é manter as coisas ao longo de décadas, não é criá-las; ou seja, as coisas têm de ser vistas segundo os impactos que causam ao longo de décadas e não pelo custo de adquiri-las. O deslumbramento pelas obras públicas que as populações nesta era mediática têm tido (não só cá) tem um preço, que só se descobre com dor. Os que nos aburguesámos não gostamos de ter de pensar nisso e na inevitável redução de benefícios a receber do Estado. Os mais pobres, que levam toda a sua vida a lutar pela sobrevivência, não notam nada de novo.

Curiosamente, a população em geral parece ter percebido bem a penúria do Estado, talvez por ver e ouvir a Troika, que é uma prova incontestável; e sabe quem estava no Governo quando a Troika chegou. A ausência de perturbações sociais de relevo mostra que a população em geral interiorizou a penúria do Estado: sem dinheiro de nada serve pressionar; mais: que os tumultos e as greves só agravam as dívidas e pioram a situação. A ideia é simples, factual e por isso é fácil de interiorizar.
É entre pessoas que se consideram diferenciadas e informadas (que se fazem ouvir nos media e nas redes sociais) que estão os que parecem não acreditar no óbvio; claro que nem sempre as pessoas são tão informadas quanto se julgam, apesar de pensarem que sabem mais do que o “Zé Pagode”. Poucas serão as que não acreditam. Desconfio que a maioria está apenas a tentar extrair as suas “rendas”, aplicando o ditado de “quem não chora não mama!” Designadamente, os comentadores alinhados no pós-modernista “discurso do risco”, que desprezavam Medina Carreira há anos, mas que agora não se cansam de prever fracassos (a anos de distância, claro!), e que só podem ter razão, pois há sempre algo que corre mal. Ao falarem com grande convicção sobre o que não sabem – vivemos tempos de desconhecimento e de incerteza, não de risco – não vêem a ansiedade que podem causar entre a população, que só não é maior, porque a sua audiência não chega aos tais cem mil.

A inevitabilidade da redução de rendimentos, a tentativa de se manterem os inúmeros “tesourinhos” capturados (não foi só a EDP ou a PT…) e o espaço mediático dominado pelo “discurso do risco” tornam a situação actual em Portugal propícia a … plantar macieiras!
Enquanto empobrecemos, tanto quanto quem vive de recursos que não são seus, vamos seguir o conselho de Lutero e plantar macieiras, porque há bocas para alimentar, para Portugal avançar.