domingo, 6 de maio de 2012

Eurobonds? Sim, arranja-se. Quem paga?


Uma corrente do “politicamente correcto” muito na moda define-se por defender princípios bem sonantes e ideias vagas, e dizer mal de quase tudo em concreto; pretende-se depois extrair daí que se é independente, por oposição a quem defende coisas em concreto.

Entre as coisas que é “bem” criticar estão a Alemanha e a austeridade; entre as que fica bem defender estão as Eurobonds e o crescimento. E é “bem” prever que Portugal vai precisar de novo resgate – como era “bem” prever que Portugal ia ser uma Grécia-II, mas a falta de tumultos nas ruas está uma mudança discreta de discurso.

Como sou pouco dado à superficialidade do “politicamente correcto” e procuro pensar nas duas vertentes das coisas (benefícios e custos) vou aqui explicar porque penso ao contrário do que se “martela” nos media e nas redes sociais.

Primeiro, estou convicto de que todos aqueles que criticam a Alemanha, se estivessem no lugar dos alemães adoptariam as posições deles. E concluo isso porque são os mesmos que defendem uma postura proteccionista, por exemplo, face à China nestes termos: se a China afecta a nossa economia, ou não faz o que nos dá jeito, então fechemos as fronteiras à China e que sejam muito felizes. Isto é o egoísmo que se critica à Sra.Merkel, por mais “solidariedade” e “direitos sociais” com que se tempere a frase – porque os alemães também podem dizer o mesmo a nosso respeito, porque têm tanta soberania como nós.

Segundo, o Euro foi criado para “agarrar” a Alemanha à Europa, pelos receios que havia em 1989 de vir a surgir outro Reich; a única coisa que a Alemanha conseguiu foi evitar que o BCE fosse credor de último recurso, e que se concentrasse no controlo da inflação. É inimaginável o estado da Europa hoje, se o BCE fosse desde a criação um credor de último recurso, sem um governo central: se assim houve excessos de endividamento (não apenas crises de liquidez, mas de solvência) é inimaginável onde se teria chegado com um banco central europeu mais “ortodoxo”. Keynes designou esta situação por “risco moral”: abusa-se de uma situação, porque se confia que não se sofrerão todos os seus efeitos nefastos, só os favoráveis.

Terceiro, por isso, para o BCE se tornar mais “ortodoxo” – ou seja, poder apoiar Estados em crise de liquidez e evitar crises de solvência, o que, de resto, já está a fazer de forma imaginativa – é necessário criar algum tipo de governo económico. Como tantos falam em aprofundar a integração, mas os mesmos defendem a soberania perante os seus eleitorados, é inconcebível um governo de tipo federal. A única solução alternativa é um dispositivo de direito internacional, ao qual os Estados se vinculam com o mais rigoroso formalismo, através dos seus parlamentos, e que oferece as mais eficazes garantias de ser respeitado (a imaginação humana é infinita e sempre capaz de criar formas de violar ou enviesar as regras, como se tem visto a respeito das contas dos Estados europeus e das regras do Eurostat). Isto é, o tratado que a Alemanha exigiu para institucionalizar os mecanismos de apoio a países com crises de liquidez visa resolver o risco moral actual: visa-se minimizar a necessidade de apoio externo através da partilha parcial e do controlo das políticas fiscais e económicas nacionais. Com um instrumento que reduza o risco moral, tornam-se altamente improváveis os excessos e a necessidade de intervenção do BCE; mas se houver que recorrer ao BCE, a situação está mais limitada.

Quarto, e para os Estados perceberem que devem evitar abusar, é importante que sintam os efeitos das suas decisões; claro que as populações podem não ter a culpa de muitos excessos, mas se são um país e um colectivo para umas coisas, também são para as outras, e devem ser responsáveis pelas suas escolhas eleitorais colectivas. Uma bancarrota deve fazer as pessoas pensar no que custam as suas políticas e o seu consumo colectivos, em vez de assumirem individualmente que têm direitos e que outrém que pague; e precaverem-se para não repetirem a experiência. Ninguém dá a devida atenção a uma explicação calma e persuasiva destas coisas, porque, dizem, “as pessoas precisam de esperança e não de pessimismo”.

Quinto, já foi dito por especialistas à exaustão que a actual retracção é inevitável para equilibrar as contas públicas; só depois se pode esperar que haja crescimento. Aqui o que impressiona mais é que os actuais arautos do crescimento estavam em silêncio quando Portugal passou uma década a crescer em média abaixo de 1% e o desemprego a crescer desde 2007. Claro que o crescimento é uma “arma de arremesso”, e suspeito que muitos dos que falam nisso pensam que para haver crescimento havia que dar subsídios – sem perceberem que se andou a fazer isso durante décadas, com os resultados que estão à vista e que Medina Carreira não se cansa de mostrar em gráficos.

Sexto, o mais interessante é a defesa das Eurobonds, que coincide com aqueles que apostam na vitória de Hollande em França para acabar com a austeridade em Portugal. Eu não ouvi nem li Hollande a defender as Eurobonds. E percebo bem porquê: isso da solidariedade com os estrangeiros é bonito, mas do que os eleitores gostam mesmo é do proteccionismo – lá como cá. É que as Eurobonds obrigam países como a França, a Alemanha ou a Holanda a pagar juros mais altos pela sua dívida, para que os periféricos paguem menos; e não se vê os eleitores dos primeiros a aceitar pagar mais impostos enquanto nos países periféricos os Estados não gerem bem (essa é a percepção, que só é reforçada com tumultos e a classe média a pedir menos austeridade). A linguagem do egoísmo que usa quem defende as Eurobonds em Portugal é o modo mais desastrado de realizar as Eurobonds.

As Eurobonds continuam no espaço público em Portugal no domínio da demagogia, do populismo e do disparate. Por exemplo, Mário Soares diz-se federalista e defende as Eurobonds; mas depois insurge-se contra a Troika (OK… depende do dia da semana…) e contra medidas fiscais e económicas decididas no exterior. Não há terceira hipótese: ou se é federalista e se aceitam medidas impostas do exterior, mesmo que participemos na tomada de decisão; ou se defende a soberania, e só se aceitam medidas decididas pelos órgãos de soberania portugueses. Quem defenda as duas em conjunto, está a enganar ou a mentir – curiosamente, quem tanto protesta contra a mentira não se incomoda com estas mentiras e enganos.

Por fim, ninguém sabe se o Estado português poderá financiar-se em todo o leque de prazos em Setembro de 2013; mas isso não impede muitos de apostarem no fracasso, como indicador do fracasso do Governo. Podem ficar muito contentes com o fracasso do Governo, mas o fracasso no regresso aos mercados em Set-2013 significa mais cortes, não significa menos. Ou seja, a aposta no fracasso em Set-2013 é um exemplo típico de “política da terra queimada”, aliás, parecido, no conteúdo, com as reacções à promoção do Pingo Doce em 01-Mai: importa mais exprimir raiva contra os adversários, do que alegrar com os benefícios. É uma reacção emocional, e não prima pela inteligência.

Como disse, ninguém sabe o que vai ocorrer. Mas há elementos a favor de Portugal:

1 – O ajustamento nas contas públicas e nas exportações estão a correr bem, e a prova inequívoca são os elogios de quem acompanha o processo em pormenor no exterior. Claro que quem acompanha tem um interesse em que as coisas corram bem. Pelo seu lado, as esquerdas em Portugal revelam ter interesse em que as coisas corram mal. Mas os números dão razão aos primeiros, e só é preocupante a lentidão nas reformas estruturais – justamente o que as esquerdas desejam travar.

2 – Os alemães não são sádicos e não querem ver em Portugal os tumultos que ocorreram na Grécia. Não vão ceder facilmente, mas reagirão mais depressa para evitar que se instale a ideia de Grécia-II.

3 – Os bancos espanhóis estão muito expostos a dívida portuguesa; um colapso em Portugal afectaria muito a Espanha, que não merece muita confiança dos credores neste momento. Com a França e a Alemanha muito expostas à dívida espanhola, um colapso em Portugal contagiava rapidamente o centro da Europa. Estes factos são bem conhecidos e há instrumentos e vontade de o evitar.

Não sei o que vai acontecer. Não sou optimista. Mas há boas razões para acreditar que as coisas se vão resolver mais ou menos como o previsto pelo Governo.