quinta-feira, 29 de novembro de 2012

História do artigo do "duplo uso"


Em Julho de 2011, elaborei e enviei para publicação nos Anais do Clube Militar Naval um artigo sobre a “Marinha de duplo uso”, como comentário a um artigo também publicado nos Anais, que a defendia. O meu artigo foi censurado pela Comissão de Redacção dos Anais. Fica aqui o registo do processo, tal como eu o conheço e interpreto.
 
No meu artigo, opus-me ao “duplo uso”, uma “vaca sagrada” da Administração da Marinha há uma meia-dúzia de anos. Por ser uma questão sensível, mandei ao director dos Anais um email para criar um canal de comunicação informal e direto, que evitasse situações públicas desagradáveis. O director dos Anais nunca me respondeu.
Em Set-2011, constando haver dificuldades na publicação do artigo nos Anais, o “Diário de Notícias” convidou-me a publicar um resumo do artigo.
Em 15-Out-2011, o diretor dos Anais informou-me por email que o artigo foi recusado por estar disponível na minha página pessoal na Internet, o que violaria o requisito editorial de ser inédito. O texto disponível na minha página pessoal não era exactamente igual ao que mandei para os Anais, pois entretanto corrigi dois erros. Não deixava de ser inédito por isso; muitos autores disponibilizam na Internet textos submetidos para publicação, para divulgação e comentários. Eu contestei esta decisão editorial dos Anais, e ela foi revogada.
Em 09-Mai-2012, o director dos Anais informou-me por email que o artigo “não foi considerado para publicação”. As razões da censura aparecem numa forma que tenta emular a apreciação de artigos científicos entre pares (peer review), o que não se ajusta a um artigo de opinião num país livre. O director dos Anais rejeitou então a livre crítica sobre o “duplo uso” e sobre a Administração da Marinha, e assumiu a defesa de ambos. Ao fazê-lo, colocou-se na posição de avaliador das minhas opiniões, enquanto me apontava falta de isenção…
Em 25-Mai-2012, respondi por email ao director dos Anais, contestando o acto de censura; ele não me respondeu nem alterou a sua decisão.
Em 28-Mai-2012, um amigo convidou-me a publicar o artigo no seu blogue, Estado Sentido, onde ele foi comentado por pessoas interessadas no debate, algumas oficiais da Marinha.

Lamento que o blog “A Voz da Abita” se tenha decidido alhear deste acto de censura nos Anais, matéria que deve interessar aos oficiais da Marinha, sócios do Clube Militar Naval (cuja tradição de abertura e discussão livre é centenária) e membros do dito blog (que tem sido um útil instrumento de divulgação e esclarecimento).

Em 05-Jun-2012, num post no blog “Água Aberta no Oceano” dizia-se que o “Diário de Notícias tem desenvolvido uma campanha antipática para a Marinha”; que “ataca a Marinha através de notícias e, por vezes, não notícias”; concluía dizendo “Tempos houve em que estes fenómenos tinham a ver com avenças pagas a jornalistas, mas penso que atualmente isso já não seja possível”. Escrevi um email ao autor do post, por me sentir visado (comentei notícias e os meus artigos não são notícias pelo que são “não-notícias”) e recusando a insinuação de ser pago por qualquer “campanha”; o autor informou-me por email (que não me inclino a divulgar) que não publicava o meu texto nos comentários ao post. Lamento esta opção de não dar voz a quem é visado por comentários antipáticos.

Em 27-Nov-2012 foi lançado o nº23 da revista “Segurança e Defesa”, no qual foi publicado, no essencial, o artigo em causa (pp.42-47). Ironicamente, o subdiretor desta revista é o titular do cargo de Sub-Chefe do Estado-Maior da Armada.
 
Em suma, este ato de censura nos Anais suscitou o interesse de um jornal diário de referência, ajudou o Governo a criar legislação que invalida o “duplo uso” e clarifica as fronteiras entre a Marinha e a Autoridade Marítima, e levou o artigo à estampa numa revista de maior audiência e prestígio do que os Anais.
Haverá quem ache que estes resultados foram um mal menor; eu concluo que o debate é saudável e que a censura não compensa.