segunda-feira, 22 de abril de 2013

A Alternativa


Os media procuram a todo o custo uma alternativa à austeridade: tudo o que pareça justificar que se deve acabar com a austeridade merece eco e repetição; tudo o que justifique que a austeridade é necessária mal se noticia e não se repete.
Os media tentam corresponder às expetativas das suas audiências; e, claro, muitos dos seus jornalistas e comentadores também esperam ter proveito pessoal do fim da austeridade.
A melhor prova disto foi a cobertura das declarações do Primeiro-Ministro da Finlândia (11-Abr-2013) de que Portugal estava no caminho certo, e que o dizia com base na experiência do seu país: uma perda acumulada do PIB superior a 10% no período 1990-1994, com o desemprego a atingir os 20%, e nova perda no PIB de 8% em 2009 (ver figura).

”Com o mal dos outros podemos bem”. Mas estes dados deviam fazer refletir os que falam da crise portuguesa como trágica: houve quem passasse pior e o tenha superado, bem, sem nós sequer ligarmos a isso. Ajudam a explicar a falta de paciência de alguns finlandeses (menos do que em Portugal vociferam contra os países do Norte da Europa). E mostram que muito se diz no espaço mediático sem saber dos factos e dos números concretos.

Do espaço público emerge também o nosso sebastianismo: enquanto vamos fazendo pela vida, não deixamos de nos lamentar e desejar que outros, ou por magia, nos tragam “a solução”, para os nossos problemas.
 
Neste contexto, emergiu aquilo que o PS de Seguro chama “a alternativa” à austeridade e ao atual Governo. Vejamos a narrativa.
Desde que Seguro chegou a Secretário-Geral do PS que eram observáveis as tensões com os socratistas, como António Costa. E adivinhava-se que Seguro tentava fazer o que podia para se desvincular do passado, e do Memo da Troika em especial, sendo várias vezes criticado por isso por Costa na Quadratura do Círculo. Não custava antecipar que a aproximação das eleições autárquicas elevaria a pressão sobre Seguro e que este iria “cavalgar” o descontentamento popular com a austeridade para obter um bom resultado eleitoral e aguentar-se; de facto, iria passar-se com Seguro ou qualquer outro dirigente eleito – a tentação e os riscos são muito grandes para não o fazer.
Reconheceu implicitamente que é necessário reduzir as despesas públicas e não aumentar mais os impostos. Foi de encontro ao sentir popular, e contrariou a visão socialista do Estado – mas superou as tensões da contradição exigindo a renegociação do Memo e a redução dos juros anuais, coisa que soa bem ao povo de esquerda, que acha que a dívida é ilegítima e não é para pagar (pena que não o tenham dito aos credores quando se estava a pedir emprestado). Mas não surpreende em quem sabe que não vai ter de ser consequente com o que diz.
A redução dos juros anuais, para quem não conhece os números, soa muito bem e encaixa bem no sebastianismo português. Só que a aritmética revela dois “pequenos” problemas:
- as taxas já são muito baixas (os juros são altos, porque o montante em dívida é enorme);
- a redução das taxas depende de aprovação dos credores; sendo baixas, e existindo sempre algum risco de incumprimento, não é provável que as reduções nos juros possam ser grandes, mesmo que os credores o aprovem.
Quer dizer, o PS assenta “a alternativa” em decisões alheias a Portugal, quando Portugal está sob resgate e dependente do financiamento alheio. Pior: o PS espera que quem nos empresta nos facilite a vida, porque o ajustamento é duro, quando se sabe que outros países passaram por situações piores sem se queixarem tanto, ou sem significativo apoio externo.
 
A posição do PS tem uma dualidade, que só a fraca memória pode explicar. A narrativa da justificação do excessivo endividamento, que vem de Sócrates, Seguro evitou, e Costa impôs, é que ele se deveu às alegadas orientações da União Europeia em 2009, para minimizar os efeitos da Crise Financeira Internacional.
Os números provam que o excessivo endividamento privado já vinha sendo notado pela OCDE, desde 1998. O endividamento público (incluindo a desorçamentação devida a Sócrates y sus muchachos) e o desemprego vêm de 2007-8. Em 2009, houve três eleições em Portugal. Mas então cabe perguntar:
 
- O endividamento com que Sócrates carregou Portugal deveu-se a “orientações da UE”? Com que base constitucional ou legal?
 
- As rendas excessivas e os contratos leoninos das PPP e das energias renováveis também se deveram a “orientações da UE”? Com que base constitucional ou legal?
 
- As obras que Sócrates anunciou por todo o país, e pelas quais ele reclamou mérito, foram de iniciativa alheia? Então porque não o disse logo em vez de reclamar o mérito para ele?
 
- Em 2009, não estando Portugal sob emergência financeira, o Governo era forçado a aceitar as “orientações da UE”; mas agora, sob resgate, é que vai conseguir impor a sua vontade?
 
Ou seja, quando o PS estava no Governo e Portugal tinha autonomia plena, fomos “obrigados” a endividar-nos. Agora que o PS não está no Governo, e que estamos sob resgate é que vamos fazer o que queremos. É a demagogia no seu melhor – mas os media “olham para o lado”…
Com críticas generalizadas à fraca liderança de Seguro, e à falta de uma alternativa do PS, com eleições daqui a alguns meses, não pode surpreender que seja este o resultado.
 
A dualidade de critérios é moralmente reprovável, mas não é novidade num PS que “se desfez” de Rui Mateus e do seu livro “Contos Proibidos”, enquanto afirma ser garantia das liberdades.
Podia pedir-se, ou esperar-se, mais ou outra coisa do PS? Duvido. O seu passado não me fazia esperar nada melhor.
Mas, mais importante, pedir consensos ao PS fica perto de um pedido de suicídio. Os partidos existem para chegar ao poder através de eleições, e ganha eleições quem consegue explorar melhor o descontentamento com o governo em funções. Consensos com os governos tornam as oposições solidárias com as decisões dos governos, e também responsáveis aos olhos dos eleitores.
Dispenso o consenso e prefiro que o PS recolha os descontentes dentro do sistema.

1 comentário:

  1. Comentário recebido de João Nobre de Carvalho por email:
    "O PS devia analisar com sentido de Estado o discurso do Presidente da República nas comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República. Considero que foi um discurso notável, alicerçado numa personalidade que foi por duas vezes eleito para Primeiro-Ministro de Portugal e por duas vezes eleito Presidente da República. Fundamentalmente, a mensagem que colhi do discurso de Cavaco Silva é que sem consenso estratégico entre os dois principais Partidos Políticos, o País não consegue superar as graves dificuldades em que se encontra. Neste importante aspecto, discordo do articulista, pois só com a maioria representada no Governo, não se consegue navegar consistentemente rumo a uma economia sustentável. O Primeiro-Ministro tem sido muito inábil a lidar com o PS, confrontando-o com atitudes hostis gratuitas. Penso que neste aspecto da necessidade de consenso com o PS em temas fundamentais, o pensamento do articulista é demasiado redutor.
    João Nobre de Carvalho"

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