quarta-feira, 31 de julho de 2013

Distorção Mediática


Como dizia no meu último post, os media dão eco a tudo o que pareça justificar que se deve acabar com a austeridade; tudo o que justifique a necessidade ou os bons resultados da austeridade dá-se nota breve e não se repete. Terão medo que se torne viral?

E ao mesmo tempo que os media pressionam pelo fim da austeridade, apontam a subida da dívida pública como uma falha do Governo (que é consequência directa do “mais tempo e mais dinheiro” que andaram a “pregar” mas de que já se esqueceram), sugerindo que a solução é o crescimento económico, porque dispensa os dolorosos cortes na despesa. Os media adoram as teses rápidas e simples (simplistas). É assim que moldam as imagens de alguns políticos, que depois “levam ao colo” (ver Sócrates, António Costa e Pires de Lima); mas também é assim que destroem os que têm ilusões de manipular os media. Porém, a superficialidade – bem ao gosto de demasiados cidadãos, que querem “esperança” e depois se queixam de serem manipulados ou enganados – pouco tem a ver com a substância das coisas.

Vejamos alguns exemplos representativos.
Estivemos mais de 10 anos com crescimento anémico, com o IVA da restauração baixo e com bom consumo interno. Por que razão o resultado será melhor se voltarmos ao modelo anterior? A baixa das taxas dos impostos aumenta imediatamente o défice, sem se saber se, e quando, o consumo cresce e produz mais receitas em volume do que a perda por baixa das taxas. Mas como uma deve subir e a outra descer, há quem ache que são iguais e se compensam, logo. E se correr mal, podem sempre criticar o governo por ter falhado…
Além disso, o aumento do consumo interno vai aumentar as importações, sem aumentar as exportações, e desequilibrar a balança externa; e voltamos ao endividamento externo. Mas ele não se “vê”, pelo que os media pretendem que não é um “problema das pessoas”… Será que o vírus da gripe é um “problema das pessoas”?…
 
A promoção de políticos pelos media é outro caso relevante. Por exemplo, Pires de Lima é tido como uma excelente escolha para ministro da economia por ser um bom gestor. Um ministro concebe, dirige e controla políticas públicas, o que exige um conhecimento profundo do Estado; um ministro da economia precisa de perceber bem como o Estado actua, e como deve actuar, na economia – mas os gestores de empresas raramente percebem a natureza e funcionamento do Estado e tendem a desprezá-lo. Paulo Macedo foi uma boa excepção. Veremos se há mais. Mas não custará a alguns media exaltarem as más notícias por mais alguns meses, para que pareça credível que foi um ou outro ministro a conseguir o fim da recessão.
 
Outro caso é a ideia de que Portugal fica melhor fora do Euro. Nem quem defende a saída, a defende para já. Nos media, em geral, a saída do Euro merece simpatia, pois o facilitismo atrai mais audiências – ficar no Euro implica controlo de despesas e partilha de soberania, isto é, dá trabalho. E corre a ideia de que fora do Euro não sofreríamos crises desta gravidade. Como se Portugal não tivesse tido duas graves crises de endividamento externo em 1977 e 1983, e ainda nem se sonhava com o Euro…
 
Mais um: a carta de demissão de Vitor Gaspar. Numerosos comentadores, e jornalistas nessa posição, andam a dizer que Gaspar reconheceu o falhanço da sua política e logo concluem que o Governo devia mudar de política. Gaspar fez considerações infelizes e desnecessárias sobre liderança, mas não escreveu nada que indique que a sua política falhou. Diz, sim, que por ter falhado as previsões perdeu credibilidade, a qual é indispensável na nova fase, de orientação explícita para o crescimento; e que esta fase é possível por a austeridade ter funcionado. É óbvio que falhar previsões não significa falhar uma política; só não falha previsões quem não as faz e os erros das previsões devem-se sobretudo à alteração de pressupostos que estão fora do controlo de quem dirigiu ou executou a política. Todas as pessoas podem perceber isto; mas há algumas que não fizeram esforço para perceber (nem para perceber como se fazem previsões), e outras têm uma agenda na qual não encaixam os factos.
 
E ainda outro: se a ministra Maria Albuquerque mentiu a respeito dos “swap”. Ouvi por inteiro as declarações de Gaspar e de Maria Albuquerque, por várias vezes, e aquilo que afirmam é que de "swaps" em geral, e de "swaps" nas empresas públicas, há muito que se ouvia falar; o que o Governo de Sócrates não disse foi a situação em concreto dos contratos de "swap" das empresas públicas portuguesas em Jun-2011. Por isso, Teixeira dos Santos pediu um relatório à IGF que só esteve pronto em Jul-2011; e nem este explicava todas as implicações em concreto dos contratos. Muitos, sem conhecerem o problema em concreto, dizem que o Governo levou tempo a mais; reconhecem, implicitamente, que o problema está a ser resolvido, mas estão, na prática, a branquear os três factos mais relevantes: o Governo de Sócrates deixou as empresas públicas sem supervisão nesta matéria; não conhecia a situação concreta em Jun-2011; e, o pior de todos, não fez nada para o resolver. E atribuem igual culpa a ambos os governos…
 
Por fim, os media querem despesas públicas elevadas e impostos baixos. Claro que isso é bom para as audiências e muitas pessoas acreditam que é possível só por alguém o dizer no espaço público – e depois queixam-se de serem enganados pelos políticos em campanha eleitoral… Quem quer menos impostos tem de aceitar mais baixas despesas, pelo menos enquanto o crescimento económico não superar 2-3%. Até lá, há que cortar despesas, porque só assim se reduz o défice e a dívida pública pára de crescer. Mas é claro que os media acham que perdem audiências se defenderem cortes nas despesas; defender coisas que soam bem às pessoas, ainda que sejam opostas e mutuamente exclusivas, e estar contra o Governo, é mais popular e não prejudica as audiências. Muitas pessoas não querem perceber isto…
Este caso revela um dos problemas das modernas sociedades democráticas: os governos que procuram soluções equilibradas entre interesses divergentes acabam por ser criticados por uns e outros, pois nenhuma das partes vê no compromisso o que defendia à partida, e porque as partes esperam que os governos lhes dêem tudo o que elas querem. A conclusão dos media (superficial, como é de prever) é que os governos falharam. A seriedade exige que se avalie até que ponto cada parte viu as suas pretensões satisfeitas e que críticas duma parte se dirigem, de facto, à outra parte. Claro que isto obriga a investigar; dá trabalho. Por vezes, os jornalistas pedem apreciações a especialistas, mas nas entrevistas balizam-nas em respostas curtas e linguagem simplista – “para as pessoas perceberem”… – em directo, ou em peças editadas que se resumem a “sound bites” ou pouco mais.
Depois, muitos admiram-se por os políticos usarem linguagem simplista e manipuladora. Que se pode esperar dos deputados em debates no plenário ou nas comissões, senão que dêem o seu melhor por produzir “sound bites” para telejornais e capas de jornais? Não é isso que os media e as suas bases de apoiantes lhes “pedem”? E é isso que o resto do país procura e quer?
 
Claro que há mais casos como os referidos, com um elemento comum: alguém se recorda de jornalistas e comentadores que tentam adivinhar ou prever eventos futuros admitirem os erros quando (frequentemente) falharam? E no entanto são ligeiros a recomendar demissões…
 
Com a crise das TVs, não pode surpreender a proliferação (“praga”?) de comentários políticos, mais baratos do que outros programas, pois a exibição na TV já é suficiente remuneração para muitos comentadores. Poucos deles têm suficiente capacidade teórica e analítica para perceber a realidade que comentam, e nada mais fazem do que integrar a intriga e a “espuma” com que se cruzam ou que ouvem. Bastantes cobrem uma agenda pessoal ou de grupo com a capa do comentário político. Por vezes, surgem como jornalistas-especialistas na matéria, pretendendo com isso dar uma ideia de credibilidade – quando apenas estão a “fazer opinião”. A falta de fundamentação com que falam é confrangedora; mas são os “sound bites” (às vezes, o humor) e não a clareza de raciocínio ou a fundamentação que lhes asseguram a presença nas TVs.
 
Nalguns casos, os comentadores ajudam a perceber muitas coisas. Por exemplo, ouvir Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças de 2002 a 2004, ajuda a perceber por que razão o país não piorou então – mas também não melhorou nem mudou o rumo.
Pelo contrário, penso que há sempre algo de relevante a aprender com António Costa Pinto, Joaquim Aguiar e João César das Neves. Ouço Marcelo Rebelo de Sousa, porque é importante saber qual é a agenda dele; ou seja, o que pensa e diz um muito provável candidato a PR.
 
Todos os comentadores têm liberdade de expressão e as TVs liberdade de escolha. E eu tenho liberdade, que exercito com assiduidade, de ignorar a larga maioria, como talvez faça a maioria dos portugueses, deixando-os a falar uns para os outros e a manipular quem o queira ser.