domingo, 23 de fevereiro de 2014

Portugueses: liberais e socialistas. Ou, querer “sol na eira e chuva no nabal”!

Marx, Lenin e os seus seguidores (mais ou menos conscientes disso) conseguiram uma vitória indisputável: os autoritarismos e as ditaduras de esquerda tornaram-se aceitáveis, enquanto se estigmatizou a ideologia que ama a liberdade, o liberalismo. A linguagem corrente e das massas (grupo que inclui muitas pessoas com formação superior) e a maioria dos media refletem esta situação: os autoritarismos e as ditaduras são aceitáveis desde que venham embrulhados numa linguagem de defesa do ambiente e dos trabalhadores, ou do combate às desigualdades. Quem defenda a liberdade e a inerente responsabilidade – o liberalismo – é mal visto e estigmatizado. E quem estigmatiza acha-se informado e sofisticado.
Por isso, não há quase partidos liberais, sobretudo na Europa, e os que existem têm reduzida expressão eleitoral. Mas todas as pessoas dizem que querem respeito pela sua liberdade e mais liberdade…
Há mais paradoxos: poucos dos que defendem uma larga intervenção do Estado em todos os setores da vida coletiva aceitam restrições às suas condutas – só visam as dos demais; e são contra os aumentos de impostos que não sejam decididos por governos das suas cores.
Também é fácil constatar a assimetria entre os aumentos e as reduções de despesas públicas: os primeiros não sofrem contestação, mas as segundas sim; porém, as despesas do Estado são pagas pelos impostos e as massas não gostam de pagar impostos nem de os ver aumentados. Há alguma maneira de conciliar estas posições? Para muitas pessoas, há: no PREC, diziam “os ricos que paguem a crise”; hoje há mais sofisticação e diz-se que se corte nas PPP, no BPN ou se acabe com a corrupção. Por outras palavras, “cortem a outros (distantes) mas não a mim”. É outra versão da máxima “not in my backyard” (NIMBY) que tantas pessoas praticam.
Naturalmente que há em tudo isto muita “avestruz” e ignorância dos números e das realidades concretas, bem como a ligeireza de quem não tem que tomar decisões, e que confia que cobrir o discurso com os chavões da “justiça” e da “igualdade”, vence o argumento e, com o discurso bem-sonante, tem o bónus de ficar bem visto perante os demais (as massas).
De facto, as duas faces do liberalismo são a liberdade e a responsabilidade. Mas esta, ao invés do que dizem muitas pessoas, causa repulsa, pois impõe custos: num ambiente hedonista, as responsabilidades, exceto para recolher louros, são para os outros; poucos assumem em pleno as suas. Assim, não é difícil perceber por que tantos diabolizam o liberalismo.
Todavia, ao contrário de todas as outras ideologias, o liberalismo é a que tem mais longa vida garantida. Claro que continuará a haver comunistas e fascistas, e haverá sempre defensores de ditaduras e autoritarismos (alguns com a convicção de estarem certos, e não só por ganharem com isso). Mas a generalidade das pessoas quer e exige liberdade, e tendo-a saboreado não se conforma com a sua perda e com o regresso a regimes autoritários, ditatoriais ou totalitários; todos os dias observamos exemplos pelo mundo fora, mesmo quando os povos buscam ordem nas suas comunidades. Por isso, diz-se mal do liberalismo, mas são aquelas ideologias que são varridas para os caixotes do lixo da História – e é o liberalismo que sobrevive. Afinal, é a única ideologia que toma e aceita a natureza humana como ela é, sem querer criar outra (e muito menos um “Homem Novo”) nem sujeitá-la aos coletes-de-forças dos conceitos ideológicos, e que reconhece o papel essencial que a liberdade tem na realização e na dignidade da pessoa humana. Claro que as pessoas preferem usufruir da liberdade deixando as responsabilidades ao Estado, ou a outros quaisquer; mas a formação moral e a pressão das circunstâncias leva a maioria das pessoas (não todas) a aceitar e assumir os impactos positivos e negativos das suas decisões (a responsabilidade). É esta realidade que revela a superioridade e longevidade do liberalismo: sempre se criticarão todas as ideologias, pois todas têm defeitos e implicam custos; mas os custos de algumas são tão altos que acabam por ser abandonadas, sobrevivendo só uma, a menos má. Só nos países ricos e entre os povos que se aburguesaram, ou converteram ao hedonismo, se diaboliza o liberalismo; os povos que não têm liberdade – e que se libertaram dos comunismos, dos fascismos e das ditaduras e autoritarismos – procuram-no sem hesitar. Passa-se o mesmo com a democracia, e também por ser mais confortável procurar que sejam outros a assumir as responsabilidades inerentes à liberdade de cada pessoa.
Em Portugal o problema é especialmente grave pela atitude generalizada de dependência face ao Estado, visto como um “saco sem fundo” e um decisor ideal, capaz e obrigado a resolver todos os problemas. É revelador que até o mais destacado dos revolucionários que implantaram o liberalismo em 1820 (Manuel Fernandes Tomás) tenha sido apelidado de “pai da Pátria”. Para demasiadas pessoas, o Estado é um “paizinho” ou uma “mãezinha” que protege os indefesos e bondosos cidadãos menores – mas “adolescentes”, pois querem apoio, enquanto estão sempre a revoltar-se contra a autoridade. É bizarra esta dualidade, que está na base da diabolização do liberalismo (além da vitória da diabolização do liberalismo há que reconhecer às esquerdas a banalização da alcunha, o neoliberalismo, designação sem doutrina, cuja conotação, sem outro conteúdo, serve de código para identificar quem se opõe ao liberalismo).
É grave que, hoje, em Portugal, quando ninguém pode dizer que ignora o excesso de despesas e endividamento públicos, que serviram sobretudo a classe média e por ela estão a ser e serão pagos, se persista na ilusão de que se podem aumentar as despesas públicas apenas porque há direitos sociais – como se ninguém os pagasse. Pode insistir-se na ilusão do chavão de “os ricos que paguem a crise”, e até se podem expropriar os ricos para eliminar o défice num ano – mas o défice volta mais tarde, porque deixou de haver ricos a pagar impostos; isto é, depois dum breve intervalo, a classe média volta a pagar por inteiro as despesas públicas, porque elas não desceram e já não há ricos a pagar impostos. Por isso, é mais inteligente reduzir as despesas públicas e tratar de criar mais ricos – em vez de lamentar o aumento de milionários, que pagam impostos.
Com menos despesas públicas podem baixar-se os impostos e os rendimentos disponíveis para a classe média, a qual ganha assim liberdade para satisfazer os seus desejos e necessidades. Todos desejam que se baixem os impostos, mas poucos aceitam que isso só pode ocorrer com menores despesas públicas.
 
Tenho pouca fé que bastantes portugueses se libertem do paternalismo com que encaram o Estado; e ainda menos que abandonem a inveja, que creio ser o verdadeiro motor que anima a maioria dos portugueses quando polvilham os seus discursos com “mais igualdade” ou a “luta contra as desigualdades”. E não é só por Camões destacar a inveja dos portugueses, usando a palavra para concluir “Os Lusíadas”. É que estes discursos sempre revelam pretender-se ter (coisas) que outros têm e não repartir o que os discursadores têm com os que não têm – que é outra forma de reduzir as desigualdades. Além disso, é raríssimo encontrar alguém que, ante questões concretas em que está envolvido/a, defenda a igualdade – ao invés, trata-se quase sempre de destacar os factos e fatores diferenciadores, e para benefício próprio. E o imparável crescimento de oportunidades para ter coisas ou usufruir de serviços garante que haverá motivos duradouros para haver desigualdades. Por fim, um fator mais subtil é a procura que as pessoas têm por outras parecidas para formar família, o que ajuda a cristalizar desigualdades de rendimentos; com a moda socialista das quotas, só falta estabelecer números máximos de famílias com cônjuges com idênticas profissões ou rendimentos (altos…) e até incentivos a que, por exemplo, operários/as formem família com gestores/as de empresas, criando as condições para “mudar as mentalidades” e criar um “Homem Novo”… J